Sexo e Morte. Juntos, por que?

A cultura atual achará, provavelmente (e, no mínimo), estranho “combinar” sexo e morte. Mas, se se dedicar uns momentos para reflexão (nunca temos tempo, hoje, ainda mais para o que nos afeta o mais profundo), certamente entenderá. São duas “energias” avassaladoras que movem e mantêm o mundo, embora sejam, ambas, motivo de medo e/ou felicidade (esta também nos assusta, embora neguemos). Parecem contrários. Não são. MORTE e SEXO. NINGUÉM passa pela vida, ou a vive plena sem uma ou outro. Não temoos sido, porém, capazes de os aprender ou ensinar. Fugimos de ambos os temas. Permeiam o dia a dia e fingimos não existirem. A sexualidade (que TODOS, do recém nascido ao moribundo, até os que “optam por não a viver” - se isto fosse possível -), todos a vivem. Mas, se não se foge do "olho no olho", esconde-se. Metem medo, e muito. Já a morte, retratada terror, que “vem” para nós (na verdade, “está” em nós) a temos como medo maior, sem disfarce. Porém, estranhamente complementares, “controlam” o mundo e fazem o humano trilhar menos perto dos extremos. E, paradoxalmente, nos extremos... Sexo e Morte. O mundo não existiria, tal como é, sem a morte, sem o sexo e seus exercícios, suas presenças.

Ora, entendamos. Nenhuma mente, por mais crédula que seja, por mais inocente que se possa imaginar, ainda acredita em fantasias (até úteis no despertar da humanidade, ainda selvagem, com pouco ou nenhum conhecimento, onde tudo era ensinado ou contado de maneira figurada, alegórica, para dar uma mensagem, em geral forte, que tenta cooptar para a causa defendida, seja por vislumbres de alegria e paz, como a promessa do paraíso, seja pela ameaça de dor, como a figura do inferno). Embora nos nutramos delas e nelas.

Nascer pela cegonha. Ou acreditar que a gente tem o poder de “fazer um filho”. Fazemos, sim, pelo SEXO, um corpo. A matéria. E, assim, nos satisfazemos em relação ao poder de criar, e nos sentimos bem, imaginando que o filho é fruto nosso, “fabricação” nossa. Se ele, o corpo, não for habitado, será um "monte de matéria", um belíssimo bólido, sem motorista. Perguntamos se o clone (que não tardará assim tanto, provavelmente) seria nossa repetição. Muita inocência imaginar que sim. Provavelmente, ao “nascer”, seria nossa figura de quando nascemos, mas até aí já começa a diferença, pelo tipo de parto, por exemplo. Ou seja, o meio externo entrará com altíssima contribuição na formação do ser humano. É preciso, então, que ALGO ainda "mais acima", que não pode ser definido pela nossa ciência, venha habitar o corpo. SOPRO, ESPÍRITO, ALMA, NOUS, PNEUMA, não importa que nome venhamos a dar. Sem esta essência, a eterna, definitiva, imortal, nada de vida no corpo. E, claro ainda, Deus não fica de plantão esperando a gente “proporcionar condições” para Ele nos “dar um filho”. O que entendemos nosso, filho, é muito mais. Já existe desde a criação e vem habitar o corpo, na esperança de nos trazer felicidade e ser, ele próprio, feliz. E o faz por livre e espontânea vontade (isto de dizermos que “filho não pediu para vir ao mundo” é, ainda, uma escapadela que encontramos para justificar-nos diante de algo que julgamos não correto na relação com o mesmo. Não é verdade. Pediu para o abrigarmos na matéria, e foi aceito.).

Mas, para nascer, é preciso que haja a primeira morte significativa (mortes acontecem dentro do útero, quando nos formamos e crescemos e, na verdade, ocorrem ainda antes de sermos concebidos, pois nossos “quase corpos”, os espermatozóides, se perdem aos milhões, para que tenhamos sido o vencedor). O problema é que não nos “ligamos” nisto (o que é bom, na medida em que ainda não estamos prontos para entender pois, imaturos, “temos os filhos” como propriedade, como nossa continuação...). E, durante a vida, inúmeras outras mortes acontecerão, todo dia, a toda hora, e não percebemos ou não queremos perceber. As mortes vão se somando. A elas se sucede, sempre, um nascimento, ou um renascimento. Somos outros depois de cada morte, mesmo que não a percebamos ou não percebamos nossa mudança. Morremos, pois, todos os dias, e renascemos. Morrer e renascer. Aquela criancinha indefesa vai se transformando até se tornar adulta. Transformações, PASSAGENS. Isto, sem relacionar as mortes do dia a dia que não estão no nosso corpo, mas nos atingem, nos modificam, nos “matam” lentamente, e nos permitem renascer novamente, mais fortes, mais experientes. Até que chega a GRANDE MORTE, a que aprendemos a ver como o final e tal nos embota a percepção pois é muito mais que isto, é o RENASCER, LIBERTAR. Mas, se TODAS as mortes que nos permeiam são cercadas de renascer, porque a “última” não seria, também, um renascer?

TODOS queremos amar. Viver nossa sexualidade. Temos os orgasmos da vida como mostra do êxtase que é o viver no Paraíso, livre enfim. Mas, também, TODOS queremos morrer. SIM, TODOS QUEREMOS MORRER. Um exercício a que nos furtamos, negamos, nos revoltamos, até. Mas é a pura verdade. Faça uma pequena reflexão e se imagine imortal, preso no corpo material, corruptível, que vai envelhecer, envelhecer, até não se prestar a mais nenhuma qualidade de vida. Ali, velho e alquebrado, dependendo em tudo de todos, com seus entes queridos já partindo ou em processo de também partir, você sozinho... Aí implorará pela MORTE. Não há como fugir disto. É nossa chave de libertação. Não a tornemos dolorosa, quando ela é nossa grande amiga. Não precisamos chamá-la, ou esconjurá-la. Esta está em nós, é nossa grande e amada amiga, a libertadora.

Então, o entrelaçamento proposto é absolutamente pertinente. NINGUÉM, absolutamente ninguém, vive à margem do SEXO (que o fez existir como corpo) ou sem a MORTE (que lhe permite voltar, inteiro).

Obs: As colocações são estruturadas na percepção cristã, mas se pode inferir o mesmo raciocínio em relação a TODAS religiões. Bem vindo à Vida

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sábado, 22 de maio de 2010

Aspectos Legais: Eutanásia e o Princípio da Justiça

Introdução

Este artigo foi escrito sob a perspectiva da ética clínica. Nele, procuro relatar minha experiência em prestar consultorias sobre ética a hospitais na Nova Zelândia e Grã-Bretanha, no debate teórico sobre eutanásia. Deste modo, iniciarei com a história de uma pessoa e, em seguida, apresentarei a de outra. Meu objetivo é testar as afirmações sobre os prós e os contras da eutanásia em vista das exigências de decisões clínicas em casos particulares. Não afirmo que esta seja a única e muito menos a maneira normativa de resolver os problemas, mas acho que grande parte da discussão carece da realidade da experiência clínica e, portanto, tende a simplificar e até mesmo caricaturar as situações reais que as pessoas enfrentam nos dilemas médicos a respeito da vida e da morte.
Há seis anos e meio, encontrei-me pela última vez com uma senhora chamada Anna. Ela pediu-me para contar sua história sempre que pudesse, e o tenho feito com freqüência desde então. Era uma mulher na faixa dos trinta anos e ficara tetraplégica alguns anos antes, em decorrência de um acidente de trânsito. Também sofria de dor fantasma difusa, o que requeria a constante administração de altas doses de analgésico para que pudesse suportá-la. Anna era casada e tinha três filhos pequenos. Antes, era uma pessoa muito ativa - adorava caminhadas e era uma cantora amadora de considerável talento. Gostava também de teatro amador. Profissionalmente, era professora. Após o acidente, achava que não tinha mais razão para viver, que não era mais a pessoa que costumava ser, e queria morrer. Apesar de ter deixado claro que não queria ressuscitamento, ela havia sofrido uma parada respiratória quando estava longe de seus enfermeiros usuais, foi ressuscitada e tornou-se dependente de respiradores artificiais. Após alguns meses de discussão e de busca de opiniões legais e éticas, decidiu-se que seu pedido para desligar os respiradores poderia ser aceito. Assim, foi instalado um dispositivo que permitiria a ela desligar os aparelhos. Três dias após a nossa conversa, em uma data predeterminada e com toda a sua família presente, ela os desligou. Foram administrados medicamentos para evitar qualquer tipo de fadiga respiratória e ela mergulhou na inconsciência. No entanto, pouco tempo depois, acordou e perguntou irritada: "Por que ainda estou aqui?". Mais medicação foi administrada e ela tornou a entrar em estado de inconsciência. Poucas horas depois sua respiração parou completamente e ela morreu.
São situações como a de Anna que levam a pedidos de alteração das leis para a legalização da eutanásia. Ela quis morrer; seus enfermeiros e sua família sabiam que era isso o que ela buscava com o desligamento dos aparelhos de suporte à vida. Por que, então, ela não poderia ter sido morta mais rápida e efetivamente por meio de uma injeção letal, e sem a longa demora e o debate que permitiram que os aparelhos fossem desligados? Além disso, já que ela não morreu devido à interrupção do tratamento, mas somente depois da administração de mais medicamentos, não houve uma certa desonestidade em alegar que tudo isso estava de acordo com os tratamentos legalmente permitidos? Isto não foi, na realidade, um `suicídio medicamente assistido' sob a aparência de medidas legalmente permitidas de recusa de tratamento e alívio da dor e da agonia?
Neste artigo, argumentarei a partir da perspectiva da ética cristã, visto que é nela que meu próprio entendimento moral se baseia, mas a intenção do meu artigo é prover os fundamentos para a formulação de políticas públicas dentro de sociedades religiosas ou secularmente pluralistas. Acredito que a `lei natural' pode ser interpretada e esclarecida pelo entendimento cristão de nossas obrigações para com nossos semelhantes humanos. Deixem-me descrever desde o princípio a conclusão a que cheguei: apesar da minha compaixão para com Anna, apesar dos problemas que a lei atualmente em vigor causa a pessoas como ela e a pessoas que se preocupam com elas, e apesar das ambigüidades morais em interpretar aquela lei de forma compassiva com os portadores de sofrimento irremediável, a Justiça requer que não mudemos a lei. Para fundamentar essa conclusão, tentarei esclarecer os diferentes tipos de decisões que são tomadas na prática médica atual e, é claro, terei que explicar o que quis dizer com a frase "a Justiça requer".



Decisão pelos incompetentesInicio a minha exploração do tema considerando uma situação bem diferente da de Anna. Antes de morrer, Anna era uma pessoa que se expressava com muita desenvoltura, clara em seus próprios pontos de vista e insistente em fazer com que os mesmos fossem ouvidos e respeitados. Uma forte lembrança que tenho (gravada em vídeo) é a de sua entrevista comigo, diante de uma turma de aproximadamente 200 estudantes de Medicina. A força de sua convicção de que já não valia mais a pena viver, e que não se tratava meramente de um estado depressivo temporário, tinha tão poderosa autoridade que tornou vazios muitos dos comentários feitos a ela por estudantes bem intencionados a respeito de manter a fé e considerar sua família. Mas devemos observar que grande parte da prática médica não oferece a possibilidade desse tipo de diálogo com uma paciente competente em busca de sua própria morte de maneira fundamentada. Muitas, talvez a maioria, das decisões médicas a respeito da vida e da morte precisam ser feitas em favor de pessoas que não podem expressar qualquer desejo, seja porque ainda não tenham desenvolvido a capacidade de formular desejos e intenções, ou porque esta capacidade tenha sido destruída por doença ou acidente. É importante observar este aspecto da tomada de decisão - às vezes chamada de eutanásia não-voluntária - antes de discutir os pedidos de medidas para pôr fim à vida, por parte de pessoas competentes. A lei estabelece limites para essas decisões em nome de outrem, os quais permaneceriam - pelo menos na teoria - ainda que a eutanásia voluntária fosse legalizada. Qual é a justificativa para esses limites? Permitam referir-me novamente a um caso do qual participei diretamente, para explorar esta questão.
Zoe nasceu prematura de três semanas, teve quer ser ressuscitada no nascimento e foi levada para a unidade de terapia intensiva e posta em ventilação artificial e alimentação gástrica. Logo, soube-se que tinha um distúrbio hereditário raro e muito grave, que não havia sido diagnosticado antes do nascimento e que implicava em constante degradação de sua pele, tanto externa como internamente. Qualquer contato com a superfície de sua pele poderia facilmente provocar grandes e dolorosas lesões, requerendo cuidado persistente para curá-las. Esse problema é incurável, e apesar da literatura conter fotos de crianças que sobreviveram três ou quatro anos, seus corpos se transformaram em uma massa de feridas e suas vidas tiveram que ser tão restritas fisicamente que era impossível ter uma infância normal. O fato de Zoe ter sido entubada ao nascer significava que era bem provável que isso já tivesse causado danos à sua traquéia, a qual estaria predisposta à infecção. E todos os meios invasivos necessários ao tratamento intensivo neonatal (que são muitos) provavelmente causariam mais lesões internas ou externas à pele, dores associadas e riscos de infecção.
Depois de ampla discussão da equipe neonatal, e com os pais de Zoe, decidiu-se remover todas as formas de suporte artificial à vida, mas manter o equilíbrio hidreletrolítico e tentar a alimentação com mamadeira. Quando isso foi feito, Zoe foi capaz de respirar sem ventilação e foi removida para uma sala lateral, fora do centro de tratamento neonatal, onde seus pais poderiam facilmente permanecer com ela. Decidiu-se por não tratar nenhuma infecção, mas somente aplicar medicação para alívio da dor e do sofrimento. Zoe morreu seis dias depois, provavelmente em conseqüência de uma infecção iniciada pelos danos causados pela entubação, quando de seu nascimento.
A mesma lógica pode certamente aplicar-se a Zoe, como ocorreu na morte de Anna - por que o prolongamento por seis dias, quando uma dose letal poderia ter encerrado as coisas em questão de momentos? É claro que os desejos de Zoe não puderam ser conhecidos como os de Anna o foram, mas o potencial para a dor física era muito maior no caso de Zoe - cada toque era um risco (na verdade, os enfermeiros e os pais tiveram a certeza, por sua reação após deixar a área de alta tecnologia, de que ela não sentia dores ou sofrimento, e aprenderam como segurá-la com cuidado e carinho, sem causar mais danos à sua pele). A lei não permitiu à equipe médica matar Zoe, mas permitiu que se decidisse suspender os tratamentos, alguns que poderiam certamente salvar sua vida, se tais medidas fossem julgadas como prejudiciais ao interesse do paciente. Mas a distinção feita pela lei é coerente e moralmente justificável? Ou é, como os advogados da eutanásia argumentam, um sofisma que permite que médicos matem pacientes sob o pretexto de tratamento?
Este é o problema que precisa ser resolvido antes de debatermos o pedido para morrer por parte de uma pessoa competente. É evidente que os defensores da eutanásia voluntária (como Peter Singer e Helga Kuhse, por exemplo) não estão simplesmente argumentando a respeito de honrar os desejos do paciente capaz. Em Should the baby live? (O bebê deveria viver?) eles procuram demolir qualquer argumento que estabeleceria limites entre o não-tratamento e o homicídio de neonatos (1) - e o mesmo deve certamente aplicar-se aos adultos incapazes. O único fator relevante, de acordo com a perspectiva conse-qüencialista desses autores, é o resultado da ação ou omissão médica. Dessa maneira, se a morte de Zoe pode ser prevista como provável quando o tratamento é suspenso, então o não-tratamento deve ser considerado o equivalente moral ao homicídio, se todos os outros fatores forem desconsiderados na equação moral. Somente os argumentos conseqüencialistas devem ser permitidos em oposição ao homicídio ativo. Por exemplo, os argumentos sobre a criação de um sentimento de insegurança em uma sociedade na qual os incapazes podem ser mortos se se pensar que suas vidas não têm mais valor.
Mas não podemos aceitar a suposição conseqüencialista de que somente os resultados por si só têm significado moral. Esta é uma moralidade minimalista, do tipo que ignora tanto as intenções dos agentes relevantes como o contexto social das escolhas que estão sendo feitas no curso do tratamento médico de uma pessoa. Considerando a assistência prestada a Zoe, existe um universo de diferenças entre a batalha para proporcionar o tratamento adequado e a decisão de evitar intervenções médicas impertinentes, por um lado, e a decisão de interromper rapidamente a sua vida com uma dose letal, por outro. No contexto social da assistência prestada a Zoe, os valores devem sempre favorecer a valorização da vida na mais frágil das circunstâncias - esta é a filosofia essencial da medicina neonatal. Esta valorização deve ser sempre moderada pela preocupação de assegurar uma morte tranqüila, quando os esforços para possibilitar uma sobrevivência suportável se mostrarem inúteis. É este sutil equilíbrio que é mantido pelo sistema legal que proíbe matar, mas permite a suspensão ou retirada do tratamento. Abandonar essa distinção em nome de uma racionalidade que mede somente as conseqüências das ações significa privar a assistência médica do contexto moral. No mundo incerto da assistência clínica, as intenções e orientações de valores que proporcionam a assistência são de fundamental importância, uma vez que criam a barreira contra a tendência moderna de buscar soluções rápidas para as ambigüidades morais de nossa vulnerabilidade humana. A decisão de renunciar à sobrevivência de uma pessoa que não pode falar por si mesma é sempre difícil e incerta. Nenhuma lei deveria facilitar isso.



Definindo a eutanásia voluntáriaTendo estabelecido o contexto de manter a distinção entre homicídio e suspensão ou retirada de tratamento dos incompetentes, retornarei agora à história de Anna. Os acontecimentos que levaram à sua morte são uma boa ilustração da relevância contínua desta distinção para o debate sobre a legalização da eutanásia voluntária. Quando as leis ou os projetos de lei sobre a eutanásia voluntária são elaborados, há uma tendência para se enfatizar o estado da pessoa que faz o pedido e evitar referência ao fato de que a lei proposta autorizará um ato de homicídio por outra pessoa. Dessa maneira, por exemplo, uma lei recentemente aprovada no território norte da Austrália (mas depois derrubada pelo Parlamento federal) usou a frase "ajudar-me a pôr fim à minha vida". Isto parece referir-se somente à descriminação do aconselhamento ou incitação ao suicídio, mas de fato ocorreu a legalização da administração de uma substância letal pelo médico. É desonesto ocultar a descriminação do homicídio na legislação sobre eutanásia pelo uso de frases que obscurecem o fato do homicídio. Sugiro, portanto, que descrevamos a legislação sobre eutanásia voluntária nos seguintes termos:
O objetivo da legislação é descriminar a morte de uma pessoa por outra, sob circunstâncias específicas que incluem a competência e o estado mental da pessoa que pede para morrer, a avaliação independente das circunstâncias médicas que levaram ao pedido, e o registro da identidade e a qualificação profissional da pessoa que levou a efeito a morte.
Com base nesta definição, podemos ver que a morte de Anna envolveu uma série de questões morais separáveis. A primeira foi a sua solicitação para que não fosse reanimada e seu último pedido para que a ventilação fosse suspensa. Isto parece claramente ser uma recusa, por uma pessoa competente, de tratamento que aparentemente salvaria sua vida, e tal recusa é sancionada por lei em muitos países (na Nova Zelândia, onde esses acontecimentos ocorreram, tal recusa de tratamento é resguardada por uma Declaração de Direitos). A base moral para tal direito legal é que a liberdade de uma pessoa para decidir o que deve ser feito a ela por outrem não pode ser limitada por argumentos de que os outros sabem o que é o melhor para ela (é este mesmo argumento que permite a uma pessoa capaz decidir cometer suicídio sem penalidade criminal, embora tentativas possam ser feitas para impedir o suicídio, a fim de assegurar que a decisão seja bem refletida.)
Mas o último pedido de Anna implicou em mais que uma simples recusa de tratamento. Como estava tetraplégica, ela virtualmente não tinha liberdade de ação, mas queria participar ativamente da descontinuação da ventilação. Ao criar um dispositivo que ela pudesse acionar, a equipe médica talvez tenha participado de um suicídio medicamente assistido. Certamente, Anna viu isto desta forma, embora a desconexão não tenha de fato resultado em sua morte. Poder-se-ia argumentar, no entanto, que os médicos estavam simplesmente ajudando-a a implementar sua recusa ao tratamento, uma situação bem diferente de conectá-la a um máquina da morte do tipo Kevorkiano.
Mas a última complicação surgiu quando Anna acordou fora dos aparelhos e descobriu ainda estar viva. A administração de medicamentos nesse estágio parece claramente ter sido uma resposta a seu pedido para morrer, apesar da certeza de que sua respiração, embora ainda ativa, já estava muito comprometida. Nesse estágio, no meu ponto de vista, o médico matou a paciente a seu pedido, evidentemente um ato de eutanásia voluntária, conforme a defini, e, portanto, um ato criminoso, já que não havia nenhuma lei que o autorizasse. Nenhuma ação foi movida contra o médico nesse caso, nem era provável que seria, dadas as circunstâncias de fadiga emocional e respiratória em que os sedativos foram administrados. Mas por que o médico teria que correr tão grande risco de sofrer uma ação legal? Por que a eutanásia voluntária não deveria ser legalmente permitida, dentro de uma estrutura legal de proteção, para permitir que pessoas como Anna tenham suas vontades atendidas sem comprometer seus médicos?



O apelo à autonomiaCheguei agora ao estágio de minha argumentação onde devo considerar se o pedido de eutanásia por uma pessoa competente representa uma significativa diferença moral com minhas objeções anteriores relativas aos atos médicos de homicídio de pacientes incapazes. O argumento moral para a legislação sobre a eutanásia voluntária parece basear-se principalmente no apelo ao princípio de autonomia, ou seja, visto que as pessoas têm o direito moral de tomar decisões a respeito de suas próprias vidas, a lei deve respeitar este direito e não colocar obstáculos às decisões de pôr fim a suas vidas com o auxílio de outrem. Mas, está claro o que se quer dizer com `autonomia'? O termo tem uma série de usos, de variadas "espessuras" e "densidades". Um ponto de vista extremamente míope equipara isso com libertarianismo absoluto - cada indivíduo deve ser livre para fazer o que lhe agrada, desde que não cause nenhum dano direto a outrem. Um ponto de vista um pouco mais denso menciona os componentes nomos (leis) do termo e argumenta que valores particulares, planos de vida e decisões bem pensadas deveriam ser respeitados - respeito ao agente moral de autocontrole, e o compromisso de ajudar os outros a descobrir e apoiar o que Charles Taylor chamou de suas "fortes avaliações" (2). Mais densa ainda é a noção kantiana de "reino racional dos fins", no qual todos os agentes morais contribuem voluntariamente para as mesmas leis morais, contanto que estas se equiparem a suas racionalidades compartilhadas. Considero a noção kantiana de `reino dos fins' inacessível e indesejável. Sempre haverá uma pluralidade de pontos de vista morais em qualquer sociedade livre, e tentativas de argumentar em contrário levam, por outro lado, ao estado de autoritarismo, seja do tipo secular ou religioso. E já existem exemplos mais que suficientes de tais estados na nossa história recente.
Acredito, porém, que devemos, por mais difícil que possa ser, controlar certa parte do nomos da autonomia: devemos olhar para além da utopia de escolhas individuais e isoladas e perguntar que efeito a concessão de tais escolhas terá sobre os valores da comunidade e sobre a liberdade e o bem-estar de todas as pessoas na sociedade. Eu salientaria que esta objeção à eutanásia é diferente do simples modelo slippery slope [O termo "slippery slope" foi proposto por Schauer, em 1985. Ocorre quando um ato particular, aparentemente inocente, quando tomado de forma isolada, pode levar a um conjunto futuro de eventos de crescente malefício. (N.T.)], que argumenta que qualquer afrouxamento da lei conduzirá inevitavelmente ao homicídio sem consentimento. Meu interesse reside, preferivelmente, no que a legalização da eutanásia voluntária acarretará para o nosso conceito de uma sociedade justa, onde os direitos de todos são protegidos, mas, particularmente, onde os vulneráveis não são explorados. Estou preocupado tanto com a função exemplar da lei quanto com seu poder de proteger todos os membros da sociedade, e não meramente de implementar os desejos dos poderosos e articulados.



O que a justiça requer?É por essa razão que me referi ao "princípio de justiça" no título do meu artigo. Ao criar este título, tinha em mente a abordagem dos `quatro princípios' de Beauchamp e Childress (3), e meu argumento é que eventualmente a questão é para ser resolvida não em termos de autonomia, caridade ou maleficência, mas de acordo com critérios de justiça. A busca por uma legislação que seja justa leva-nos para além da escolha individual, conduz-nos às questões dos direitos e do bem-estar de todos. Se o fato de estender a autonomia individual põe em risco os direitos de outrem, então esta não pode ser a base indiscutível para uma mudança na lei. É claro que existem muitos debates a respeito do que é necessário para garantir leis justas. Alguns argumentariam, ao estilo de Nozick (4), que isto é para ser equiparado, com a mínima interferência, às liberdades individuais (e esta considero ser a base da `bioética secular' de H. T. Englehardt Jr., à qual me referirei brevemente). Não tentarei defender, neste artigo, a alternativa ao libertarianismo deste tipo, mas meramente afirmar que estou argumentando com base na hipótese (mais completamente exposta por Rawls (5)) de que uma teoria de justiça adequada deve equilibrar a liberdade individual com igualdade perante a lei, e que nossas organizações sociais devem garantir uma igualdade de oportunidade e uma maximização do bem-estar dos desprivilegiados. Considero esta formulação de justiça como também mais próxima da visão cristã de sociedade justa, em que os membros pobres, desprivilegiados e vulneráveis tornam-se o principal foco de preocupação. Neste ponto de vista sem dúvida socialmente radical, o benefício da maioria jamais pode ser usado como justificativa para desconsiderar aqueles que não podem proteger seu próprio bem-estar, e a liberdade individual não pode ser usada para autorizar a desconsideração dos direitos civis de todos.
A partir desta perspectiva, existem três riscos à justiça na legalização da eutanásia.
O primeiro é a própria estrutura moral da comunidade como um todo, e da profissão médica em particular. Já me referi a isso em minha discussão sobre o caso de Zoe. A lei contra homicídio serve como um lembrete, no contexto médico, sobre a natureza preciosa de cada vida humana, e, portanto, requer um estilo de medicina que encontre a solução mais humanitária para os sofrimentos incuráveis, dentro dos limites legalmente permitidos. Deste modo, é mantida a ética de cura da medicina. Mas não é somente o contexto médico que seria afetado. Uma lei autorizando homicídio poderia transmitir uma poderosa mensagem a respeito dos valores fundamentais da sociedade que permite sua legalização. Para muitas pessoas, tirar uma vida humana na guerra ou como punição por um crime já é moralmente repugnante, e campanhas são promovidas para estimular a resolução pacífica de conflitos internacionais e abolir a pena de morte. A legislação da eutanásia caminha na direção oposta, acrescentando uma nova forma de homicídio legal; ao fazer isso, também acrescenta às muitas funções e poderes da profissão médica a autoridade para matar. É essencial considerar se tamanha extensão de poder sobre a vida e a morte humana, mesmo a pedido do indivíduo em questão, é algo que nossas sociedades desejam sancionar. Isto representa uma grande mudança nos valores morais, mas que pode passar despercebida em meio à retórica da defesa da eutanásia - na qual o fato de matar é ocultado por circunlóquios. Grisez e Boyle apresentam a questão da imparcialidade à suscetibilidade moral da seguinte forma: "Como pode uma política ser considerada liberal, se facilita a liberdade de alguns cidadãos para matarem e serem mortos, envolvendo em atividades repugnantes para muitos cidadãos os processos legais e as instituições nas quais todos participam, quer queiram quer não?"(6) Este não é certamente um argumento conclusivo, visto que em uma democracia com valores pluralistas sempre existirão leis que ofendem a suscetibilidade moral de alguns - leis que permitem o aborto e atos homossexuais entre adultos são exemplos óbvios disso. Minha opinião, no entanto, é que essa questão precisa ser amplamente discutida em debates e não ocultada pelas insinuações de que nada mais está em jogo do que o direito ao suicídio.
Uma segunda área de risco surge da dificuldade em definir os limites do homicídio autorizado. Permitam-me salientar mais uma vez que esta não é uma objeção "slippery slope". Ao invés disso, é uma observação de que a lógica da eutanásia voluntária não pode restringir-se a doenças terminais, como às vezes é inferido (Anna proporciona uma boa ilustração deste ponto). De quem deveria ser o julgamento de que as razões para o pedido são persuasivas, e que, como o termo "eutanásia" indica, é simplesmente uma questão de facilitar uma morte próxima e inevitável? Qualquer exame dos textos das leis sobre eutanásia revelará a grande divergência na abordagem dessa matéria (7). O que fazer a respeito de uma doença incurável que pode não resultar na morte do paciente, mas que ele considera insuportável? (Muitos distúrbios neurológicos são desse tipo; por exemplo, esclerose múltipla e paralisia cerebral)(8). Logo, torna-se claro que a noção de doença terminal é irrelevante, e que a essência de qualquer legislação deverá ser remover as sanções legais, tanto contra o auxílio ao suicídio quanto contra o homicídio de outrem, quando aquela pessoa quer morrer e não está clinicamente deprimida ou, por outro lado, não é mentalmente incapaz.
Tais extensões da eutanásia voluntária podem parecer apenas lógicas, visto que a legislação para as doenças terminais está legalizada, mas são também cheias de perigo. Sabemos, por meio daqueles que foram resgatados de tentativas de suicídio, que muitos, subseqüentemente, ficaram felizes por estar vivos e encontraram novas formas de lidar com o que naquele momento parecia ser intolerável. Uma pessoa pode estar bastante vulnerável por um tempo sem ter sido diagnosticada como clinicamente deprimida. Desta forma, esta lei poderia representar grande risco para os direitos e o bem-estar das muitas pessoas que terão que enfrentar períodos de grande provação em suas vidas. A justiça não seria, portanto, feita para esses indivíduos - poderia ser qualquer um de nós - que passam por um período em suas vidas onde a carga parece grande demais e os desafios a vencer tão difíceis de enfrentar. Podemos realmente redigir uma legislação que permita tão sutil discriminação entre o pedido justificável e injustificável de homicídio?
A terceira, e a meu ver, mais séria ameaça à justiça vem do sincronismo dos debates a respeito do racionamento da assistência à saúde, e dos debates sobre a legalização da eutanásia. Por causa do aumento crescente dos custos da assistência médica, as pessoas idosas, especialmente aquelas com poucos recursos materiais, estão cada vez mais sob a ameaça de uma sociedade que enfatiza a produtividade e a geração de riquezas. À medida que a proporção de idosos aumenta em sociedades que têm experimentado "sucesso" médico, os recursos disponíveis para seu tratamento e assistência são reduzidos e são feitos crescentes esforços no sentido de recuperar os custos da assistência médica por meio dos próprios idosos.
Qual é o efeito da legalização da eutanásia nesse grupo? Isso daria a eles uma outra opção. Eles não mais precisam se sentir como uma "carga" para a sociedade, e nem temer que sua última doença prive suas famílias dos bens que eles preferem que seus filhos desfrutem após suas mortes. O que era considerado uma escolha voluntária deve certamente ser visto agora como uma solução responsável, amorosa e sensata para os problemas que preocupam o mais bondoso dos idosos. A eutanásia voluntária torna-se o equivalente ao passeio na solidão da velhice de outras sociedades. Considerar-se a si mesmos como uma "carga" que precisa ser removida rapida e silenciosamente, torna-se uma escolha moralmente aprovada (9).
Essa fusão de racionalização da assistência à saúde com a eutanásia está bastante explícita na discussão sobre a eutanásia em The foundations of bioethics (Os fundamentos da Bioética), de Engelhardt Jr. Seu ponto de partida é o que chama de "bioética secular", que para ele seria a única bioética possível em uma sociedade secular pluralista que tem um consenso moral mínimo. Em tal sociedade, Engelhardt argumenta, "a principal(…) maldade moral de um assassinato não é o fato de tirar a vida de um indivíduo, mas tirar a vida do indivíduo sem a sua permissão". Logo, a eutanásia voluntária é moralmente aceitável, mas ele vai além, sugerindo que isto poderia também ser um dever (10). Ele escreve: "Deve-se imaginar um cidadão patriota com uma doença terminal debilitante cometendo suicídio para não onerar o sistema de assistência à saúde". Isto leva ao prognóstico de Engelhardt Jr. de que a sociedade secular do futuro será como (11):
Em um mundo com recursos escassos e tecnologias caras, parecerá apenas bastante razoável que deve-se tratar ao máximo, e, quando os tratamentos falharem e a dor e o sofrimento se tornarem intoleráveis, efetivar a morte livremente. Isto se tornará o mais razoável uso secular dos recursos(…) haverá muita pressão causada por razões econômicas e medo da dor(…) o que tornará(…) a eutanásia tão sensata e aceitável quanto o diagnóstico pré-natal e o aborto (12).
Se as previsões de Engelhardt Jr. estiverem corretas, então o uso da expressão `voluntário' junto com a expressão eutanásia se tornará cada vez mais dúbio, à medida que os recursos diminuírem. É extremamente necessário salientar que, em um cenário como esse, os membros mais pobres e fracos de uma sociedade serão os que mais provavelmente acharão que a morte "voluntária" é a única opção, visto que os ricos ainda serão capazes de pagar por qualquer recurso de que necessitem. Se isso é intolerável sob a perspectiva de uma moralidade secular, o é duplamente do ponto de vista teológico. Na perspectiva cristã, os pobres e vulneráveis são sujeitos especiais da amorosa preocupação de Deus, e todas as ações cristãs devem ser direcionadas na busca da "opção pelos pobres", que é o coração do Evangelho. Por essas razões teológicas, sustento que os cristãos precisam se opor à legislação sobre a eutanásia, não baseados na doutrina da santidade da vida, que pode ser difícil de defender em vista de nossa aceitação das decisões do não-tratamento, mas com base no entendimento cristão de uma sociedade verdadeiramente justa.



ConclusãoConcluo que o argumento moral e teológico para a eutanásia voluntária, embora poderoso em seu apelo em favor da escolha pessoal, falha em ver a complexidade das questões morais envolvidas, e, em particular, corre o risco de cometer injustiças ainda maiores que qualquer das atualmente experimentadas, como resultado da sanção legal contra suicídios assistidos e homicídios. Dos três riscos à justiça que descrevi, o mais sério é certamente o terceiro. Para garantir justiça para os vulneráveis em nossa competitiva e ambiciosa sociedade, deve haver fortes defesas na lei que previnam a exploração dos membros mais fracos. Uma vez que a barreira seja ultrapassada e o homicídio voluntário legalmente permitido, fica difícil ver de que forma nós poderíamos assegurar que as pressões comerciais e sociais não definam os "voluntários". Poder-se-ia tornar a assistência médica tão pobre de recursos que a eutanásia seria de fato uma opção sensata, ou poder-se-ia conservar as complexidades morais de uma lei que proíbe o homicídio, ainda que voluntário, e responder às pressões que isso exerce sobre nossa sociedade para proporcionar uma assistência médica eficiente, humana e apropriada para todos os seus membros.
Tudo isso significa que o que tenho a dizer ao espírito de Anna (que ainda está muito presente comigo) é que lamento profundamente a longa batalha que ela travou para obter a paz que buscava, e que foi intolerável que os seus desejos de não ser ressuscitada tenham sido ignorados. Mas, em uma sociedade que se preocupa com os vulneráveis, a dignidade de sua morte não poderia ser alcançada por meio da legalização do homicídio. Sua morte ambígua foi o preço que ela e seu médico tiveram que pagar para garantir a segurança dos mais fracos entre nós.


Abstract - Euthanasia and the Principle of JusticeFrom a clinical ethics point of view, this article raises arguments on the foundations on which public policies should be based in regards to euthanasia, in view of the religious and secular pluralism prevalent today. The ethical argument of those who defend the legalization of voluntary euthanasia radicalizes the principle of autonomy. The approach of this article reflects on the issue of euthanasia from the viewpoint of justice and the concept of a "just society". It raises three potential risks of injustice if voluntary euthanasia is legalized: 1) The law against homicide is a reminder of the preciousness of each human life and demands that medicine find a more humane solution for "incurable" ailments; 2) The difficulty in establishing limits for authorized homicide; 3) The most serious threat would be the synchronicity of debates on the lack of public funds for health care with the discussions on the legalization of euthanasia.
Referências
  1. Singer P, Kuhse H. Should the baby live? Oxford: Oxford University Press, 1989.
  2. Taylor C. The ethics of authenticity. Cambridge: Harvard University Press, 1991: 14-9.
  3. Beauchamp TL, Childress JE. Principles of biomedical ethics. 3.ed. Oxford: Oxford University Press, 1989.
  4. Nozick R. Anarchy, state and utopia. New York: Basic Books, 1974.
  5. Rawls J. A theory of justice. Cambridge: Harvard University Press, 1971.
  6. Grisez G, Boyle JM. Life and death with liberty and justice. London: University of Notre Dame Press, 1979: 169.
  7. Por exemplo, o projeto original da Northern Territory Bill (Lei do Território Norte) requeria que a morte fosse iminente por um período de tempo específico, mas isto (por razões compreensíveis) desapareceu da lei, que meramente especificava a existência de uma doença incurável que "no curso normal dos acontecimentos resultará na morte do paciente". Da mesma forma, a abordagem holandesa à eutanásia ultrapassou as situações de doença terminal.
  8. E a pessoa diagnosticada como HIV positivo, que acha intolerável a incerteza de sua condição futura? Ou a pessoa portadora de uma doença psiquiátrica incurável, que em um período de lucidez quer prevenir outra crise? Ou a pessoa que descobre os primeiros sintomas de Alzheimer, mas ainda é mentalmente capaz?
  9. Deve ser dito que a legislação garantirá que todas essas escolhas sejam genuinamente do indivíduo, e que qualquer evidência de pressão familiar impediria a autorização do homicídio. Mas isto é considerar somente a dimensão mais óbvia da pressão sobre as decisões dos indivíduos. O que a mudança da lei fará é transmitir a esse grupo de pessoas um valor social, que seja explicitamente excluído da legislação atual, que proíbe tanto o auxílio ao suicídio quanto o homicídio. A lei sinaliza as crenças morais de uma sociedade, ainda que indireta e incomodamente. O sinal para as pessoas idosas (e para as pessoas portadoras de incapacidades) é claro, se as mudanças na lei permitem que elas possam convencer dois médicos de que sua condição é insuportável e que eles estão em seu perfeito juízo. Então, parte do novo serviço médico para eles é morte instantânea e sem dor. Não estou convencido de que qualquer estrutura da legislação sobre eutanásia pode evitar a criação desse novo ambiente social. Mas tal ambiente é, acredito, uma grave ameaça à justiça em favor dos grupos mais vulneráveis da nossa sociedade.
  10. Engelhardt HT Jr. The foundations of bioethics. 2.ed. Oxford: Oxford University Press, 1996: 350.
  11. Engelhardt HT Jr. Op.cit. 1996: 351.
  12. Engelhardt HT Jr. Op.cit. 1996: 352.

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