domingo, 13 de junho de 2010
Morte para Deus ou para o Diabo?
ESCOLHA: MORTE para DEUS ou para o DIABO?
NÓS estamos sempre escolhendo entre Deus e o Diabo. Escolha vã. Achamos que ambos nos disputam, nos querem. Idéia vã. O Diabo não nos quer. Deus sabe que, cedo ou tarde, estaremos com Ele. Então só Ele nos quer. O Diabo sabe que, cedo ou tarde, estaremos de volta à casa do Pai e que, Este sim, nos quer, e muito. E que de nada adianta suas artimanhas para nos tomar de Deus. Para nos enganar, vestimos o diabo de poder, de riqueza, de prazer. Mas isto é de Deus, não do Diabo. O que é deste é o fato de uso inadequado, do exagero em cada um destes itens, com posse, enquanto outros irmãos não os têm. Sabemos que há TUDO para TODOS. Suficiente. Mas queremos tudo para nós. Por medo. Isto, sim, é atender o diabo. E ele fica feliz, por isto, mesmo sabendo que não nos possui em definitivo. Ainda antes do por do sol acordaremos para o repouso no colo do Pai e ver, com Ele, o amanhecer do dia.
Agora, o diabo é muito inteligente. Mas quem é o diabo. Quem o teria criado? Ele é, de certa forma, também uma criatura de Deus, porque é nossa criação (não dEle, diretamente, e não é preciso ser muito inteligente para perceber que um Pai jamais criaria maldade para um filho), uma alegoria que inventamos para nos justificar as faltas (“o diabo atentou...”). Mas, repito, ele, nosso criado, é muito inteligente (até por ser nossa criatura, e somos inteligentes). Nunca nos suga até o fim. Percebe com clareza que estamos nos exaurindo e se afasta, “dá um tempo”, para nos recuperarmos e podermos ser, novamente, sugados por ele. É por isto que devemos estar, sempre, atentos, para não nos deixarmos, novamente, possuir pelo mal. A qualquer momento poderemos partir. E é melhor partir com o pensamento no bem. Ou alguém tem medo do bem? O mal, não é preciso questionar, todos tememos.
Agora, se pergunta. E Deus, onde está? No inferno também? Claro, não há como negar. Ele está em nós, mesmo que nos mostremos o pior monstro. O pior Hitler. Ele é nosso Pai. De verdade, embora O neguemos, algumas vezes (mais por vergonha que outro motivo). E Ele nos acompanha no nosso inferno (que, claro, NÓS é que criamos, com nosso pensamento). Ali está Ele, sofrendo nossas dores, mas de braços abertos para nos acolher e carregar nas dores maiores, desde que O olhemos suplicantes, já que Ele nos respeita ao extremo, não nos contraria jamais, sempre aguarda nosso chamado, embora “corra” ao alcance de nossos olhos, e fale aos nossos ouvidos, até que O vejamos, O ouçamos...
Assim, a morte, passagem que nos liberta, pode nos encontrar “pensando” (e, assim, construindo-o) no inferno... e imaginamos que ali estamos. Mas, Ele estará ao nosso lado, sempre, esperando que, mesmo lá, “no inferno” que criamos, O aceitemos. Então, não seria muito mais inteligente a gente estar pronto a qualquer momento, e facilitar as coisas para nós, no Pai? Para isto basta criarmos o céu em nossa mente, “materializando” a felicidade para a qual fomos destinados.
NÓS estamos sempre escolhendo entre Deus e o Diabo. Escolha vã. Achamos que ambos nos disputam, nos querem. Idéia vã. O Diabo não nos quer. Deus sabe que, cedo ou tarde, estaremos com Ele. Então só Ele nos quer. O Diabo sabe que, cedo ou tarde, estaremos de volta à casa do Pai e que, Este sim, nos quer, e muito. E que de nada adianta suas artimanhas para nos tomar de Deus. Para nos enganar, vestimos o diabo de poder, de riqueza, de prazer. Mas isto é de Deus, não do Diabo. O que é deste é o fato de uso inadequado, do exagero em cada um destes itens, com posse, enquanto outros irmãos não os têm. Sabemos que há TUDO para TODOS. Suficiente. Mas queremos tudo para nós. Por medo. Isto, sim, é atender o diabo. E ele fica feliz, por isto, mesmo sabendo que não nos possui em definitivo. Ainda antes do por do sol acordaremos para o repouso no colo do Pai e ver, com Ele, o amanhecer do dia.
Agora, o diabo é muito inteligente. Mas quem é o diabo. Quem o teria criado? Ele é, de certa forma, também uma criatura de Deus, porque é nossa criação (não dEle, diretamente, e não é preciso ser muito inteligente para perceber que um Pai jamais criaria maldade para um filho), uma alegoria que inventamos para nos justificar as faltas (“o diabo atentou...”). Mas, repito, ele, nosso criado, é muito inteligente (até por ser nossa criatura, e somos inteligentes). Nunca nos suga até o fim. Percebe com clareza que estamos nos exaurindo e se afasta, “dá um tempo”, para nos recuperarmos e podermos ser, novamente, sugados por ele. É por isto que devemos estar, sempre, atentos, para não nos deixarmos, novamente, possuir pelo mal. A qualquer momento poderemos partir. E é melhor partir com o pensamento no bem. Ou alguém tem medo do bem? O mal, não é preciso questionar, todos tememos.
Agora, se pergunta. E Deus, onde está? No inferno também? Claro, não há como negar. Ele está em nós, mesmo que nos mostremos o pior monstro. O pior Hitler. Ele é nosso Pai. De verdade, embora O neguemos, algumas vezes (mais por vergonha que outro motivo). E Ele nos acompanha no nosso inferno (que, claro, NÓS é que criamos, com nosso pensamento). Ali está Ele, sofrendo nossas dores, mas de braços abertos para nos acolher e carregar nas dores maiores, desde que O olhemos suplicantes, já que Ele nos respeita ao extremo, não nos contraria jamais, sempre aguarda nosso chamado, embora “corra” ao alcance de nossos olhos, e fale aos nossos ouvidos, até que O vejamos, O ouçamos...
Assim, a morte, passagem que nos liberta, pode nos encontrar “pensando” (e, assim, construindo-o) no inferno... e imaginamos que ali estamos. Mas, Ele estará ao nosso lado, sempre, esperando que, mesmo lá, “no inferno” que criamos, O aceitemos. Então, não seria muito mais inteligente a gente estar pronto a qualquer momento, e facilitar as coisas para nós, no Pai? Para isto basta criarmos o céu em nossa mente, “materializando” a felicidade para a qual fomos destinados.
Sexualidade e Liberdade
LIBERDADE, busca do POVO de DEUS.
O povo de Deus quer libertar-se. Vemos isto na história todo o tempo, em várias formas, e não aprendemos... O povo hebreu quer libertar-se do Egito, os pobres dos ricos, etc. Tudo é a mesma coisa, tudo figurativo. Queremos é liberdade total e não é nos libertando deste ou daquele jugo que seremos felizes. Queremos a liberdade total, que é nosso maior dom, dom da criação. E, mesmo com nossas bobagens de nos querermos igualar a Deus, criando outros seres (nosso único real “pecado”), o que configura o “pecado original”, nosso Criador não nos privou da liberdade. Nós é que, pela nossa índole de pureza, nos condenamos à sua privação, até nos percebermos dignos da mesma.
Então, tudo que fazemos é em busca desta liberdade. Nós precisamos dela, como nosso corpo precisa do ar para permanecer na terra. Repetimos nossa escolha, ainda no Eden, quando de lá fugimos e renunciamos à liberdade para nos punir, para nos recuperarmos, nos prendendo, sem nos apercebermos disto, o mais das vezes. Sim, emaranhamo-nos mais e mais e não vemos que estamos atando os nós que nos limitam, nos cerceiam..., fazem com que soframos. Aí nos prendemos e queremos prender os outros, talvez até para nos vingarmos de nossa nova bobagem (ou a mesma, sob outra roupagem). Como se isto nos libertasse e, muitas vezes, nem mesmo nos alivia...
É verdade que as comunidades mais ortodoxas precisam existir. Mas não se sustentam, quando o rigorismo é sua tônica. Ortodoxia até se pode tolerar, mas rigorismo, não. Todo extremo é aceito quando novidade, por benefícios aparentes, mas logo é condenado e se torna motivo de dor.
Por exemplo, uma comunidade religiosa, consagrada, que se propõe rigor absoluto em relação a um tema qualquer (nem falemos dos mais “escabrosos”, mas necessários ao ser humano, como a privação – ou tentativa de – da sexualidade). Não vinga. Pode até ter uma certa força na comunidade interna. Mas, para o público externo, não anda. Ou melhor, até pode funcionar, mas se presta a uma vigilância maior por parte do público externo, que cobra qualquer possível deslize (“isto não é comigo, eles precisam ser puros...”.). Mas, tudo que é “imposto” (mesmo se a gente, ao ser iniciado no grupo, aceite, pois na iniciação há muitos fatores emocionais envolvidos e não há juízo isento, completo e perfeito. Cedo ou tarde a gente vai se cobrar, diretamente ou não, questionando ou até contrariando o prometido). É que a gente PRECISA atender às necessidades da matéria. Não há como fugir disto. Não se pode ficar sem respirar. Não se pode ficar sem comer. Não se pode dizer que não temos nossa sexualidade. Podemos, isto sim, limitar sua prática, mas não tomar isto como se não existisse. É negar nossa natureza. Que é bela. Foi criada por Deus, não a podemos, pois, negar. Seria, no mínimo, falso. Os anseios da matéria (corpo) são anseios da alma. O corpo só faz e pede o que a alma deseja. Mesmo os chamados “desejos de preservação ou instintos” são uma ordem da alma. O corpo, sozinho, não é nada, não faz nada. Pessoas aparentemente iguais, submetidas à mesma restrição, terão percepções diferentes da situação. E reagirão de modo diferente, em conseqüência. Não adianta tentar formatar. SOMOS iguais, mas ESTAMOS desiguais, enquanto presos nesta dimensão, na matéria.
A alma se deixa, também, turvar pela impureza. É parte de seu caminho. Escolhe o que lhe pode ser mais adequado à sua pureza e, depois, quando percebe que não foi o melhor, não se coaduna, a escolha, com sua origem pura, lamenta e busca se purificar. Sozinha é difícil, até porque tudo podemos, mas de certa forma, não queremos fazer nada sozinhos, porque “sabemos” desta máxima, de sermos todos em um, um em todos, no Pai. Ate recuperar todo seu brilho a alma ainda exige compensações materiais a ela mesma, via corpo, mesmo sabendo que será transitório, mas “não se agüenta” sem as compensações que se lembra ter, na casa do Pai, e as “rememora”, de certa forma, experimentando gozos fugazes na matéria. Mesmo, repito, que se arrependa a seguir, e busque se corrigir. O PRAZER, por exemplo, em todas as suas formas, é uma forma de felicidade na matéria. Prazer, na essência (alma, espírito), é FELICIDADE. Mas na matéria experimentamos algo que transcende nossa capacidade de descrição, algo que nos lembra o inefável do gozo fora da matéria, no espírito. Qualquer gozo (sexual, alimentar, poder, bom sono, etc.). Talvez se chegarmos à exaustão do gozo possamos nos beliscar e retomar a caminhada saciados ou, ainda, fartos dos prazeres efêmeros... Quem vai entender, enquanto preso na matéria, limitado, os caminhos escolhidos por todos e por cada um de nós? Também, para que entender?
O povo de Deus quer libertar-se. Vemos isto na história todo o tempo, em várias formas, e não aprendemos... O povo hebreu quer libertar-se do Egito, os pobres dos ricos, etc. Tudo é a mesma coisa, tudo figurativo. Queremos é liberdade total e não é nos libertando deste ou daquele jugo que seremos felizes. Queremos a liberdade total, que é nosso maior dom, dom da criação. E, mesmo com nossas bobagens de nos querermos igualar a Deus, criando outros seres (nosso único real “pecado”), o que configura o “pecado original”, nosso Criador não nos privou da liberdade. Nós é que, pela nossa índole de pureza, nos condenamos à sua privação, até nos percebermos dignos da mesma.
Então, tudo que fazemos é em busca desta liberdade. Nós precisamos dela, como nosso corpo precisa do ar para permanecer na terra. Repetimos nossa escolha, ainda no Eden, quando de lá fugimos e renunciamos à liberdade para nos punir, para nos recuperarmos, nos prendendo, sem nos apercebermos disto, o mais das vezes. Sim, emaranhamo-nos mais e mais e não vemos que estamos atando os nós que nos limitam, nos cerceiam..., fazem com que soframos. Aí nos prendemos e queremos prender os outros, talvez até para nos vingarmos de nossa nova bobagem (ou a mesma, sob outra roupagem). Como se isto nos libertasse e, muitas vezes, nem mesmo nos alivia...
É verdade que as comunidades mais ortodoxas precisam existir. Mas não se sustentam, quando o rigorismo é sua tônica. Ortodoxia até se pode tolerar, mas rigorismo, não. Todo extremo é aceito quando novidade, por benefícios aparentes, mas logo é condenado e se torna motivo de dor.
Por exemplo, uma comunidade religiosa, consagrada, que se propõe rigor absoluto em relação a um tema qualquer (nem falemos dos mais “escabrosos”, mas necessários ao ser humano, como a privação – ou tentativa de – da sexualidade). Não vinga. Pode até ter uma certa força na comunidade interna. Mas, para o público externo, não anda. Ou melhor, até pode funcionar, mas se presta a uma vigilância maior por parte do público externo, que cobra qualquer possível deslize (“isto não é comigo, eles precisam ser puros...”.). Mas, tudo que é “imposto” (mesmo se a gente, ao ser iniciado no grupo, aceite, pois na iniciação há muitos fatores emocionais envolvidos e não há juízo isento, completo e perfeito. Cedo ou tarde a gente vai se cobrar, diretamente ou não, questionando ou até contrariando o prometido). É que a gente PRECISA atender às necessidades da matéria. Não há como fugir disto. Não se pode ficar sem respirar. Não se pode ficar sem comer. Não se pode dizer que não temos nossa sexualidade. Podemos, isto sim, limitar sua prática, mas não tomar isto como se não existisse. É negar nossa natureza. Que é bela. Foi criada por Deus, não a podemos, pois, negar. Seria, no mínimo, falso. Os anseios da matéria (corpo) são anseios da alma. O corpo só faz e pede o que a alma deseja. Mesmo os chamados “desejos de preservação ou instintos” são uma ordem da alma. O corpo, sozinho, não é nada, não faz nada. Pessoas aparentemente iguais, submetidas à mesma restrição, terão percepções diferentes da situação. E reagirão de modo diferente, em conseqüência. Não adianta tentar formatar. SOMOS iguais, mas ESTAMOS desiguais, enquanto presos nesta dimensão, na matéria.
A alma se deixa, também, turvar pela impureza. É parte de seu caminho. Escolhe o que lhe pode ser mais adequado à sua pureza e, depois, quando percebe que não foi o melhor, não se coaduna, a escolha, com sua origem pura, lamenta e busca se purificar. Sozinha é difícil, até porque tudo podemos, mas de certa forma, não queremos fazer nada sozinhos, porque “sabemos” desta máxima, de sermos todos em um, um em todos, no Pai. Ate recuperar todo seu brilho a alma ainda exige compensações materiais a ela mesma, via corpo, mesmo sabendo que será transitório, mas “não se agüenta” sem as compensações que se lembra ter, na casa do Pai, e as “rememora”, de certa forma, experimentando gozos fugazes na matéria. Mesmo, repito, que se arrependa a seguir, e busque se corrigir. O PRAZER, por exemplo, em todas as suas formas, é uma forma de felicidade na matéria. Prazer, na essência (alma, espírito), é FELICIDADE. Mas na matéria experimentamos algo que transcende nossa capacidade de descrição, algo que nos lembra o inefável do gozo fora da matéria, no espírito. Qualquer gozo (sexual, alimentar, poder, bom sono, etc.). Talvez se chegarmos à exaustão do gozo possamos nos beliscar e retomar a caminhada saciados ou, ainda, fartos dos prazeres efêmeros... Quem vai entender, enquanto preso na matéria, limitado, os caminhos escolhidos por todos e por cada um de nós? Também, para que entender?
Terapia de Reposição Hormonal e Sexualidade
SEXUALIDADE e HORMÔNIOS.
No final do século XX, quase “de uma vez”, se iniciou a TRH (Terapia de Reposição Hormonal) voltada, essencialmente, à mulher. E ainda em princípio do século atual, novo milênio, pouco se fala da TRH para o homem. No entanto ele é precursor, nela. Muito antes de se propor a mesma à mulher, o homem já a fazia, em busca de manutenção de seu “potencial sexual”, no sentido de apetite e capacidade eretiva. Fazia (e ainda faz, por este Brasil afora) uso sem qualquer critério, sem controle algum, das injeções do famoso “durateston”, sujeito a todo possível efeito colateral, mas certamente não se lixando para isto na medida em que recuperava seu potencial sexual (mesmo não o tendo “perdido” como se julgava, ou apenas pelo medo de o perder). É a ditadura da performance (entendida como capacidade eretiva e, daí, de coito), a busca da “higidez sexual”, vista pelo machista exatamente na limitada EREÇÃO. A falolatria, o falo (culturismo, centrismo) ditador. Uns poucos centímetros representando o tudo, para o homem. Não percebe, como a mulher entende, o potencial dos muitos mais centímetros da pele.
A mulher, hoje, se beneficia enormemente da reposição hormonal. Não é um tratamento, mas apenas oferecer a ela o que ela sempre teve e veio a faltar. Aí o maior erro dos que são contra, antes de saber do que se trata. E, mesmo assim, se dá, sempre, em torno da metade do que produzia, sendo-lhe suficiente, já que não busca recuperar a plenitude reprodutiva, mas sim a sexualidade e os aspectos gerais de certo modo influenciados pelos hormônios sexuais, como densidade óssea, capacidade neural cognitiva, proteção cardiovascular, boa saúde da pele e, ainda, da genitália, conquanto esta, pelo simples “uso”, possa se manter razoável, como instrumento a que se presta).
No final do século XX, quase “de uma vez”, se iniciou a TRH (Terapia de Reposição Hormonal) voltada, essencialmente, à mulher. E ainda em princípio do século atual, novo milênio, pouco se fala da TRH para o homem. No entanto ele é precursor, nela. Muito antes de se propor a mesma à mulher, o homem já a fazia, em busca de manutenção de seu “potencial sexual”, no sentido de apetite e capacidade eretiva. Fazia (e ainda faz, por este Brasil afora) uso sem qualquer critério, sem controle algum, das injeções do famoso “durateston”, sujeito a todo possível efeito colateral, mas certamente não se lixando para isto na medida em que recuperava seu potencial sexual (mesmo não o tendo “perdido” como se julgava, ou apenas pelo medo de o perder). É a ditadura da performance (entendida como capacidade eretiva e, daí, de coito), a busca da “higidez sexual”, vista pelo machista exatamente na limitada EREÇÃO. A falolatria, o falo (culturismo, centrismo) ditador. Uns poucos centímetros representando o tudo, para o homem. Não percebe, como a mulher entende, o potencial dos muitos mais centímetros da pele.
A mulher, hoje, se beneficia enormemente da reposição hormonal. Não é um tratamento, mas apenas oferecer a ela o que ela sempre teve e veio a faltar. Aí o maior erro dos que são contra, antes de saber do que se trata. E, mesmo assim, se dá, sempre, em torno da metade do que produzia, sendo-lhe suficiente, já que não busca recuperar a plenitude reprodutiva, mas sim a sexualidade e os aspectos gerais de certo modo influenciados pelos hormônios sexuais, como densidade óssea, capacidade neural cognitiva, proteção cardiovascular, boa saúde da pele e, ainda, da genitália, conquanto esta, pelo simples “uso”, possa se manter razoável, como instrumento a que se presta).
Sexualidade ontem e hoje, para o amanhã
SEXUALIDADE hoje e os ganhos que poderia ter tido e ainda não teve.
Com a manifestação da sexualidade liberada, o ganho poderia ter sido muito maior do que foi. Como energia refreada não se poderia esperar muito alem do que se obteve, mas se espera que, após o tsunami da liberdade(que sugeriu, muitas vezes e em muitos lugares, muitas culturas, mais uma libertinagem), se possa retomar o caminho, ou os caminhos (porque variáveis) que levam à plenitude da sexualidade.
Alem da fome pela liberdade, o não saber usar esta, o querer tirar proveito logo do que foi negado tanto tempo, associado à percepção geral da pressa ("as coisas para ontem"), tudo foi causa do pouco proveito que se tirou em termos de solidez nas conquistas, com o mínimo de dor imposta ou que ficou, eventualmente, nos embates do novo, ainda pouco crível.
Ora, ao invés de isto “trazer” o homem para a sexualidade feminina, mais ampla, mais plena, porque mais envolvente e mais global (incluindo o ser como um todo, coração e alma), “ensinando-o”, por exemplo, a namorar (como o homem "tolera", ainda nas aproximações do namoro), a mulher “entrou na do homem”, buscando a quantidade e “se satisfazer” logo, como se o mundo fosse acabar e a limitação do machismo fosse voltar a imperar. As mulheres teriam de comprovar virgindade, inexperiência, candidez, pureza, fidelidade, e tudo isto não seria mais, novamente, exigido dos homens. Não entenderam a grandeza do momento. Lambuzou-se, a mulher, toda, e viveu sua liberdade “mostrando” a si mesma que está livre, como se fosse algo realmente inatingível e não duradouro. A mulher não acreditou na conquista...
A ressaca de tais atitudes passará logo, até porque a mulher se deixou, de certa forma, que a banalizassem, e ela mesma acabou fazendo isto, aceitando o sexo algo comerciável, no sentido mais completo do termo. Isto tornou de pouco valor a mulher, minimizando sua dignidade, o que poderia ser um “ganho” para o machismo, embora não suficiente para o ressuscitar. Descartável, como o homem sempre foi, sem o perceber. Em qualquer esquina, se não der certo aqui, encontro outra. É diferente para a mulher, porque esta cria raízes mais facil e mais profundamente, tendo dificuldade, a longo prazo, de se fixar novamente em uma relação sólida (embora se refaça melhor, mais firme, após a tempestade da separação, justamente ao contrário do homem, que percebe a mesma com liberdade mas logo se vê privado de si mesmo, sem chão, no mais das vezes). Não podemos comparar as percepções de tais “andanças” no mundo do sexo, entre o macho e a fêmea. Esta é mais exigente com tudo, inclusive com ela mesma, e “precisa” estabilidade, o que a percepção da sexualidade como tem ocorrido neste início de liberdade não tem propiciado. Tudo perdeu, então, a solidez. Não se poderia confiar, entregar-se (a mulher “se entrega”, corpo e alma, mais alma talvez, e mais fácil e mais pleno, embora isto tambem traga compensação, é evidente).
Assim, a mulher buscará o que carece, ou seja, o respeito, o diálogo, o carinho, enfim, a igualdade na relação, cada um ocupando seu espaço, mas este ampliado para ambos. Usará sua liberdade para “exigir” o prazer, o cuidado, a dedicação, e não para sair por aí em busca do que não sabe exatamente, “batendo cabeça”, sofrendo e fazendo sofrer.
A liberdade não veio para provar nada, ou para um viver a sexualidade do outro, mas para encontrarem, ambos, a alegria da partilha.
Isto aconteceu também em outros campos, onde a mulher veio ocupar espaço. Na medicina, por exemplo, profissão altamente machista, onde as mulheres eram uma exceção. A mulher, ao se tornar médica, não impôs sua condição de acolhimento, seu carinho, sua percepção extra sensorial, o que seria o faltante na medicina de hoje, que tenta ser mais ciência que arte. Muito antes, quis fazer como o homem, e o copiou no que o homem trouxe de pior, à medicina. Quis, claro, mostrar sua capacidade igual e, para isto, abafou suas características, das quais tanto carecia (e carece) a medicina. O que parece frágil ao homem para o exercício da arte médica é farto na mulher e é essencial para a medicina: justamente a sensibilidade, a capacidade de se envolver, se emocionar, se entregar. Isto a mulher está, ainda, a dever à medicina e à humanidade.
Com a manifestação da sexualidade liberada, o ganho poderia ter sido muito maior do que foi. Como energia refreada não se poderia esperar muito alem do que se obteve, mas se espera que, após o tsunami da liberdade(que sugeriu, muitas vezes e em muitos lugares, muitas culturas, mais uma libertinagem), se possa retomar o caminho, ou os caminhos (porque variáveis) que levam à plenitude da sexualidade.
Alem da fome pela liberdade, o não saber usar esta, o querer tirar proveito logo do que foi negado tanto tempo, associado à percepção geral da pressa ("as coisas para ontem"), tudo foi causa do pouco proveito que se tirou em termos de solidez nas conquistas, com o mínimo de dor imposta ou que ficou, eventualmente, nos embates do novo, ainda pouco crível.
Ora, ao invés de isto “trazer” o homem para a sexualidade feminina, mais ampla, mais plena, porque mais envolvente e mais global (incluindo o ser como um todo, coração e alma), “ensinando-o”, por exemplo, a namorar (como o homem "tolera", ainda nas aproximações do namoro), a mulher “entrou na do homem”, buscando a quantidade e “se satisfazer” logo, como se o mundo fosse acabar e a limitação do machismo fosse voltar a imperar. As mulheres teriam de comprovar virgindade, inexperiência, candidez, pureza, fidelidade, e tudo isto não seria mais, novamente, exigido dos homens. Não entenderam a grandeza do momento. Lambuzou-se, a mulher, toda, e viveu sua liberdade “mostrando” a si mesma que está livre, como se fosse algo realmente inatingível e não duradouro. A mulher não acreditou na conquista...
A ressaca de tais atitudes passará logo, até porque a mulher se deixou, de certa forma, que a banalizassem, e ela mesma acabou fazendo isto, aceitando o sexo algo comerciável, no sentido mais completo do termo. Isto tornou de pouco valor a mulher, minimizando sua dignidade, o que poderia ser um “ganho” para o machismo, embora não suficiente para o ressuscitar. Descartável, como o homem sempre foi, sem o perceber. Em qualquer esquina, se não der certo aqui, encontro outra. É diferente para a mulher, porque esta cria raízes mais facil e mais profundamente, tendo dificuldade, a longo prazo, de se fixar novamente em uma relação sólida (embora se refaça melhor, mais firme, após a tempestade da separação, justamente ao contrário do homem, que percebe a mesma com liberdade mas logo se vê privado de si mesmo, sem chão, no mais das vezes). Não podemos comparar as percepções de tais “andanças” no mundo do sexo, entre o macho e a fêmea. Esta é mais exigente com tudo, inclusive com ela mesma, e “precisa” estabilidade, o que a percepção da sexualidade como tem ocorrido neste início de liberdade não tem propiciado. Tudo perdeu, então, a solidez. Não se poderia confiar, entregar-se (a mulher “se entrega”, corpo e alma, mais alma talvez, e mais fácil e mais pleno, embora isto tambem traga compensação, é evidente).
Assim, a mulher buscará o que carece, ou seja, o respeito, o diálogo, o carinho, enfim, a igualdade na relação, cada um ocupando seu espaço, mas este ampliado para ambos. Usará sua liberdade para “exigir” o prazer, o cuidado, a dedicação, e não para sair por aí em busca do que não sabe exatamente, “batendo cabeça”, sofrendo e fazendo sofrer.
A liberdade não veio para provar nada, ou para um viver a sexualidade do outro, mas para encontrarem, ambos, a alegria da partilha.
Isto aconteceu também em outros campos, onde a mulher veio ocupar espaço. Na medicina, por exemplo, profissão altamente machista, onde as mulheres eram uma exceção. A mulher, ao se tornar médica, não impôs sua condição de acolhimento, seu carinho, sua percepção extra sensorial, o que seria o faltante na medicina de hoje, que tenta ser mais ciência que arte. Muito antes, quis fazer como o homem, e o copiou no que o homem trouxe de pior, à medicina. Quis, claro, mostrar sua capacidade igual e, para isto, abafou suas características, das quais tanto carecia (e carece) a medicina. O que parece frágil ao homem para o exercício da arte médica é farto na mulher e é essencial para a medicina: justamente a sensibilidade, a capacidade de se envolver, se emocionar, se entregar. Isto a mulher está, ainda, a dever à medicina e à humanidade.
sábado, 22 de maio de 2010
MEDO DA MORTE, MEDO DA VIDA?
Sebastião Galeno da Silva
I Congresso Brasileiro de Tanatologia, Belo Horizonte, MG.
O enigma da morte (ou da vida?) indubitavelmente, excita a mente e o coração, induzindo sentimentos vividos sempre intensamente, muitas vezes contraditórios, geralmente tendentes ao sofrimento dos que a “enfrentam” sem preparo e mais ainda dos circundantes ativos ou não. Na verdade não nascemos com tais suscetibilidades, eis que ainda não manipulados pela anti cultura da morte que induz ao medo mas este nos soa tão grande que preferimos negá-la “até a morte”. Invariavelmente, quando instados a responder sobre nossa relação com a morte, a resposta, quando dela não fugimos, é “não tenho medo, apenas não quero sofrer ou fazer sofrer aos que me amam, além de não querer dar trabalho a ninguém, preferindo uma morte rápida (sem sofrimento)”. Nesta resposta padrão há a expressão do medo não assumido, disfarçado, em que se transfere ao outro a negação, conquanto se admita a mesma, “apenas” querendo determinar como gostaria de morrer, já que não há mesmo como fugir, além de mostrar insegurança sobre se teria mesmo alguém a amá-lo de verdade (esta outra enorme fonte de sofrimento), pois não estamos seguros se haverá amor verdadeiro, de doação, partilha, cuidados, a uma pessoa terminal dependente, que ainda nos exporia abertamente as “fraquezas” humanas, como sejam as manifestações de medo, as manifestações da fisiologia do corpo material.
Mas, seria, mesmo, medo da morte, o que temos? Sem dúvida é o que tentam nos incutir durante toda nossa existência os que nos antecedem, voluntariamente ou não. (MORTE, no dicionário, é, entre outras, “do lat. Morte, ....Termo, fim. Destruição, ruína. Fig. Grande dor, pesar profundo...” Os poderosos sempre se arvoraram em donos da mesma e incutiram o medo dela para manter o poder (não nos esqueçamos que a ignorância do dominado sempre foi o melhor meio de se manter o poder, como o fizeram e fazem os grandes ditadores), e nós transmitimos o mesmo medo aos nossos descendentes, como o recebemos de nossos pais que somente descobrem seu valor quando já “velhos” e velho não tem valor na nossa cultura de consumismo, materialismo, imediatismo.
É tão forte o materialismo na conceituação de vida, que o dicionário, ainda aí, a trata como o contrário da morte, ao listar seu significado: “do latim vita... Conjunto de propriedades e qualidades graças às quais animais e plantas, ao contrario dos organismos mortos ou da matéria bruta, se mantêm em contínua atividade... estado ou condição dos organismos que se mantêm nesta atividade desde o nascimento até a morte...” Felizmente, talvez pela energia que vida impõe de certa forma, na última linha, quase sem nenhuma pretensão, timidamente, lasca um lampejo de luz “... Estado ou condição do espírito depois da morte”....
Bem o dizia Platão: “Podemos perdoar uma criança que tem medo do escuro; a real tragédia é quando os homens têm medo da luz”.
Então, o que realmente existiria por traz de tudo isto? Parece que o verdadeiro medo não vem, definitivamente, de fora. Apenas o usamos para reforçar nosso medo interior. Na verdade, embora tentemos negar, temos consciência plena do que nos ocorrerá na morte, não no processo do morrer materialmente, mas do que vem imediatamente depois, ou seja, nosso auto (e severo) julgamento. Durante a vida, no “calor” da competição que ela se deixou tomar, sempre temos como fugir de nossa consciência, acobertados pelas mais variadas desculpas, mas no momento da morte, na solidão que nos envolve, não há como perpetuar a fuga. De alguma maneira todos sabemos e aceitamos que este será um momento em que avaliaremos nossos atos e infelizmente o faremos com nossa perfeição de filhos à imagem e semelhança do Pai, que queremos a pureza e não aceitamos menos que isto, pela nossa índole, e sempre haveremos de encontrar, na vida terrena, como seres imperfeitos, alguma “culpa”. Daí nos condenaremos.
Quanto é dura a presença da consciência no dia a dia a nos julgar! Isto é o que verdadeiramente tememos, não a morte, em si.
Constantemente vivemos a morte na mídia e nos deslumbramos com a mesma. Quanto mais atroz mais nos chama a atenção. Parece que queremos enganar a nós mesmos, pois “aquilo” felizmente está tão longe da gente... O show que a TV nos dá, on line, por exemplo, em especial da violência, atrai como mel à mosca. Agora então, com a guerra em plena força, não há alguém no mundo que não a viva intensamente. Alguns com revolta, outros com medo, muitos apenas inocentes curiosos, mas todos envolvidos de alguma maneira. É atávica, a atração. E os poderosos (agressores, mídia), se fartando às nossas custas, materiais e espirituais.
Mas podemos tirar, como sempre, lições. Numa entrevista com ex combatentes americanos, por exemplo, eles testemunharam a verdadeira causa do medo da morte e a presença deste, invariavelmente. Todos o admitem... mas apenas quando confrontados com a solidão física, os momentos de “descanso”, porque aí não há como fugir ao pensamento, e ao julgamento... Vem aquela sensação, disseram, de impotência, de inutilidade, de horror, tudo num misto de sentimentos que não se consegue definir. É o julgamento que fazemos de nossos atos e atitudes e o fazemos cruelmente, nos condenando quase sempre, perdendo a esperança que se esvai aos menos preparados. Nestes momentos se pensa na vida, no que se fez ou deixou de fazer, e vem um vazio enorme. Por isto fugimos, corremos, gritamos, tentamos fazer de conta que não é conosco, como se pudéssemos fugir eternamente... ou enlouquecemos... E ainda não é o final, o “juízo final”, tantas vezes usado para nos amedrontar. Quando estão no calor da luta não há como desligar as baterias do aqui e agora e não há, então, lugar para o medo. Funcionamos no automático, movidos pelo instinto de sobrevivência. Há que ir à frente. É vencer ou vencer, para não morrer.
A morte, portanto, mete medo, mas da vida, porque nos leva a pensar nesta, com nossos “olhos” de pureza que temos na origem, a qual não queremos perder. Nem os grandes Santos ou os grandes personagens de virtude da humanidade se julgaram merecedores do perdão. E mesmo eles jamais pensavam na recompensa, enquanto homens, conquanto a esperassem, como filhos de Deus, porque se prepararam, cultivaram as virtudes, especialmente as teologais. No momento da morte a esperança se torna a mãe de todas e, embora dita a ultima que morre, se faz presente, nos alenta, e não morre jamais.
Então, por que aceitamos, mantemos e ate alimentamos tais medos? Seria simplesmente o comodismo e a falta de coragem para assumir a VIDA na sua plenitude? Por que sucumbimos à pressão da cultura que nos domina, levando-nos a valorar somente o que podemos medir com nossas medidas tão primitivas, com nossos órgãos dos sentidos tão maravilhosos e ao mesmo tempo tão pequenos para medir a grandeza da VIDA?
A ciência que praticamos, desde Francis Bacon, com seu rigor de medição, repetição, comprovação, com a lógica dos números, não permite que valorizemos o valor das coisas que realmente contam, como diziam os pré socráticos, as invisíveis. Precisamos da ciência, sim, mas há que reconhecer que, no que transcende nossa capacidade, precisamos usar a visão do espírito, que conhece a igualdade nas diferenças e as diferenças nas igualdades, e que não pode ser medida por ela. E a ciência que praticamos considera a morte como fim (vide dicionários), como derrota (vide medicina, onde os profissionais são preparados para a derrotar e saem acreditando que “vencerão a morte”, sendo sempre derrotados, infelizes portanto), e se nos curvarmos a ela, aceitando o conceito de perda, de fim, de destruição, de sofrimento, seremos infelizes. Então, não é possível usar os paradigmas da morte na ciência terrena (se é que ela os tem), como formatada por Francis Bacon, considerando apenas seus aspectos biológicos, materiais, “passiveis de comprovação”, porque ela transcende tudo isto e muito mais e não a podemos viver mais vezes, como num ensaio científico.
Pelo contrario, se a buscarmos para a entender ou pelo menos aceitar, não como inevitável no sentido catastrófico, mas como necessária ao crescimento, à evolução, à continuação da vida, à libertação, sem dúvida seremos livres do fardo do medo no convívio com ela e nos sobrarão energias para viver com dignidade e plenitude.
Esta a questão que devemos discutir aqui. E se cá estamos é porque não consideramos a morte como derrota, como fim, acreditamos na verdadeira vida e se assim cremos temos a obrigação de usar os talentos e a percepção que temos, para quebrar este vagalhão que cobre a humanidade e que a afoga, tirando a oportunidade de usar a energia da vida para a viver plenamente, exaurindo-a ao fugir da morte falsamente porque assim não se vive a vida.
Devemos sair daqui como multiplicadores da vida, do contrário teria sido melhor não vir. Sem nenhuma ameaça, lembro que nos cobraremos um dia (na morte, quem sabe), se nos mantivermos alheios, sem partilhar nosso conhecimento (lembremo-nos que a grande missão do homem é aprender, evoluir e sua segunda grande missão, partilhar com seu semelhante o conhecimento, a vida).
A morte deve ser vista como uma Iniciação, uma passagem, o que realmente é, e assim podemos nos permitir justificar um certo medo, mais uma ansiedade do desconhecido, como ocorre em todo processo iniciático, desde a 1ª. caminhada, quando deixamos de gatinhar, o primeiro namoro, o primeiro isto ou aquilo. Tudo nos traz ansiedade, a do desconhecido e aliviamos, com isto, um peso, que passamos a trazer como um companheiro, não mais como um fardo. E claro que as outras primeiras vezes podem ser repetidas e veremos que se tornam dominadas por nós, enquanto a morte não se repete, não dá para ensaiar...
O domínio do materialismo, especialmente no Ocidente, se tornou tão carrasco, que ate as Religiões se afastaram da espiritualidade, um pouco por medo da fé crítica que busca explicação para os mistérios colocados como dogmas pura e simplesmente, mas muito pelo comodismo da inércia e por não aspirarem mais que manter o poder. Coisas do ser humano, não das Igrejas, diga-se a bem da verdade. É tão avassaladora tal pressão de imediatismo, consumismo, com promessas de nirvana imediato, atingido com o simples ter, a concretude dos bens materiais palpáveis, mensuráveis, ostentáveis, podendo ser consumidos sem riscos, sem esforços que, como dizíamos, as Religiões descarregam seus esforços em problemas sociais (que também são importantes, mas não a essência), coisas “da terra”, da matéria, visíveis, do aqui e agora. E todos, mesmo os ateus, nos ancoramos em alguma fé (como dizia o agnóstico: “Sou ateu, graças a Deus”...). E deveriam, elas em primeiro lugar, discutir, sem tergiversar, sem atravessar, sem fugir, os temas espirituais, a morte sendo o mais importante deles, na visão do homem formatado com a cultura a que nos referimos. É preciso praticar as virtudes teologais, pois assim não nos preocuparemos com o auto (repetimos, também severo) julgamento que faremos na iniciação da verdadeira vida. E todas religiões as adotam, as pregam, algumas ate as praticam. Mas... Não queremos condenar ninguém por tal postura, mas nos angustia a priorização, esta sim, inadequada. As coisas do espírito deveriam receber prioridade máxima. Também não queremos e não podemos super valorizar a espiritualidade, a meditação, a contemplação, na terra porque assim não cumpriríamos um dos nossos objetivos, a que chamamos “comerás com o suor do teu rosto”. E para vivermos exclusivamente de contemplação não haveria que consumir tanta energia, poderíamos ter ficado no colo do Pai curtindo as maravilhas... seria uma inércia total, uma inutilidade a toda prova e não suportaríamos tal situação, que nem Ele suportou, tendo nos criado para Sua alegria... Ah, o EQUILÍBRIO.
Outro grande medo que vivemos é o de “morrer à mingua” que se traduz, realmente, pelo medo de morrer sem assistência médica, “sem recurso”. Isto, hoje agigantado pela mídia que denuncia a todo momento erro médico, falta de condições do Sistema de Saúde Publico, serve para incutir mais medo e mais fuga do tema. Mas novamente o medo real é o do confronto com a consciência de nossos atos. E se o fizermos no “nosso campo”, exatamente como o time de futebol que julga jogar melhor na sua casa, com sua torcida, ou seja, em nossa casa, ao lado de nossos familiares, sabemos que poderemos, com o carinho e a energia dos que nos rodeiam, com o verdadeiro combustível da vida, o amor, ser menos inflexíveis no julgamento que faremos e o atravessar o umbral será, sem dúvida, menos sofrido. Então, não assumimos isto e dizemos temer a ausência do médico, quando mais importante seria a do pastor, a dos amigos, a dos amados. Claro que não nos referimos aqui à assistência necessária, sadia, a que temos direito e ate dever de nos submeter, como agradecimento pela vida na terra que recebemos, mas ao abuso que a medicina faz no trato com a morte (também por medo), ora não oferecendo qualquer assistência digna do nome, ora exagerando nos cuidados sob vários pretextos os maiores sendo esconder o próprio medo, e fugir dos processos que nos batem à porta. Um bom caminho para entender este medo é consultar o Leo Pessini, no seu livro “Distanásia”, onde a abordagem do tema é praticamente completa, absolutamente correta.
Quanto ganharíamos se retornássemos no tempo, ao tempo de Alexandria, onde o ser humano era formado de maneira holística. Hoje nos inclinamos a conhecer cada vez menos do todo com a desculpa de que devemos aprofundar mais o conhecimento em cada área. Isto seria factível se nos comunicássemos, humildemente. Mas na verdade, o chavão de saber cada vez mais, de menos, apenas nos isola e isola o ser humano, que se vê, impotente, partido em pedaços cada vez menores.
Um dia, quem sabe, ele poderia ligar para o mastologista da mama esquerda, ou melhor, para o “areólogo”, e lhe avisar que estava mandando sua aréola esquerda para ele avaliar... Como se ele não tivesse de levar a mama inteira, e o corpo que a carrega, e a inteligência que gerencia o corpo, e o espírito que é parte não divisível do mesmo...
Somos uma geração que se cansou de ser induzida a lutar para sobreviver. Mesmo que à custa do irmão que está ao nosso lado, mais ainda do que não vemos. É hora de pensarmos em VIVER, digna e plenamente, e de multiplicarmos as idéias que não nos pertencem, pois estão no âmago de todo ser humano, que conhece seu destino de glória, seu potencial. E, uma vez libertado dos medos nele incutidos, como o fizeram a nós, e sem culpar ninguém, muito menos nossos antepassados, poderemos todos mudar o titulo desta conversa para o que disse sabiamente o reverendo E. H. Hamilton:
“MEDO? De quê?
De sentir a alegria do espírito liberto?
De passar da dor para a paz perfeita?
De ver cessarem as lutas e as tensões da vida?
Medo... de quê?
Aspectos Legais: Eutanásia e o Princípio da Justiça
Introdução
Este artigo foi escrito sob a perspectiva da ética clínica. Nele, procuro relatar minha experiência em prestar consultorias sobre ética a hospitais na Nova Zelândia e Grã-Bretanha, no debate teórico sobre eutanásia. Deste modo, iniciarei com a história de uma pessoa e, em seguida, apresentarei a de outra. Meu objetivo é testar as afirmações sobre os prós e os contras da eutanásia em vista das exigências de decisões clínicas em casos particulares. Não afirmo que esta seja a única e muito menos a maneira normativa de resolver os problemas, mas acho que grande parte da discussão carece da realidade da experiência clínica e, portanto, tende a simplificar e até mesmo caricaturar as situações reais que as pessoas enfrentam nos dilemas médicos a respeito da vida e da morte.
Há seis anos e meio, encontrei-me pela última vez com uma senhora chamada Anna. Ela pediu-me para contar sua história sempre que pudesse, e o tenho feito com freqüência desde então. Era uma mulher na faixa dos trinta anos e ficara tetraplégica alguns anos antes, em decorrência de um acidente de trânsito. Também sofria de dor fantasma difusa, o que requeria a constante administração de altas doses de analgésico para que pudesse suportá-la. Anna era casada e tinha três filhos pequenos. Antes, era uma pessoa muito ativa - adorava caminhadas e era uma cantora amadora de considerável talento. Gostava também de teatro amador. Profissionalmente, era professora. Após o acidente, achava que não tinha mais razão para viver, que não era mais a pessoa que costumava ser, e queria morrer. Apesar de ter deixado claro que não queria ressuscitamento, ela havia sofrido uma parada respiratória quando estava longe de seus enfermeiros usuais, foi ressuscitada e tornou-se dependente de respiradores artificiais. Após alguns meses de discussão e de busca de opiniões legais e éticas, decidiu-se que seu pedido para desligar os respiradores poderia ser aceito. Assim, foi instalado um dispositivo que permitiria a ela desligar os aparelhos. Três dias após a nossa conversa, em uma data predeterminada e com toda a sua família presente, ela os desligou. Foram administrados medicamentos para evitar qualquer tipo de fadiga respiratória e ela mergulhou na inconsciência. No entanto, pouco tempo depois, acordou e perguntou irritada: "Por que ainda estou aqui?". Mais medicação foi administrada e ela tornou a entrar em estado de inconsciência. Poucas horas depois sua respiração parou completamente e ela morreu.
São situações como a de Anna que levam a pedidos de alteração das leis para a legalização da eutanásia. Ela quis morrer; seus enfermeiros e sua família sabiam que era isso o que ela buscava com o desligamento dos aparelhos de suporte à vida. Por que, então, ela não poderia ter sido morta mais rápida e efetivamente por meio de uma injeção letal, e sem a longa demora e o debate que permitiram que os aparelhos fossem desligados? Além disso, já que ela não morreu devido à interrupção do tratamento, mas somente depois da administração de mais medicamentos, não houve uma certa desonestidade em alegar que tudo isso estava de acordo com os tratamentos legalmente permitidos? Isto não foi, na realidade, um `suicídio medicamente assistido' sob a aparência de medidas legalmente permitidas de recusa de tratamento e alívio da dor e da agonia?
Neste artigo, argumentarei a partir da perspectiva da ética cristã, visto que é nela que meu próprio entendimento moral se baseia, mas a intenção do meu artigo é prover os fundamentos para a formulação de políticas públicas dentro de sociedades religiosas ou secularmente pluralistas. Acredito que a `lei natural' pode ser interpretada e esclarecida pelo entendimento cristão de nossas obrigações para com nossos semelhantes humanos. Deixem-me descrever desde o princípio a conclusão a que cheguei: apesar da minha compaixão para com Anna, apesar dos problemas que a lei atualmente em vigor causa a pessoas como ela e a pessoas que se preocupam com elas, e apesar das ambigüidades morais em interpretar aquela lei de forma compassiva com os portadores de sofrimento irremediável, a Justiça requer que não mudemos a lei. Para fundamentar essa conclusão, tentarei esclarecer os diferentes tipos de decisões que são tomadas na prática médica atual e, é claro, terei que explicar o que quis dizer com a frase "a Justiça requer".
Decisão pelos incompetentesInicio a minha exploração do tema considerando uma situação bem diferente da de Anna. Antes de morrer, Anna era uma pessoa que se expressava com muita desenvoltura, clara em seus próprios pontos de vista e insistente em fazer com que os mesmos fossem ouvidos e respeitados. Uma forte lembrança que tenho (gravada em vídeo) é a de sua entrevista comigo, diante de uma turma de aproximadamente 200 estudantes de Medicina. A força de sua convicção de que já não valia mais a pena viver, e que não se tratava meramente de um estado depressivo temporário, tinha tão poderosa autoridade que tornou vazios muitos dos comentários feitos a ela por estudantes bem intencionados a respeito de manter a fé e considerar sua família. Mas devemos observar que grande parte da prática médica não oferece a possibilidade desse tipo de diálogo com uma paciente competente em busca de sua própria morte de maneira fundamentada. Muitas, talvez a maioria, das decisões médicas a respeito da vida e da morte precisam ser feitas em favor de pessoas que não podem expressar qualquer desejo, seja porque ainda não tenham desenvolvido a capacidade de formular desejos e intenções, ou porque esta capacidade tenha sido destruída por doença ou acidente. É importante observar este aspecto da tomada de decisão - às vezes chamada de eutanásia não-voluntária - antes de discutir os pedidos de medidas para pôr fim à vida, por parte de pessoas competentes. A lei estabelece limites para essas decisões em nome de outrem, os quais permaneceriam - pelo menos na teoria - ainda que a eutanásia voluntária fosse legalizada. Qual é a justificativa para esses limites? Permitam referir-me novamente a um caso do qual participei diretamente, para explorar esta questão.
Zoe nasceu prematura de três semanas, teve quer ser ressuscitada no nascimento e foi levada para a unidade de terapia intensiva e posta em ventilação artificial e alimentação gástrica. Logo, soube-se que tinha um distúrbio hereditário raro e muito grave, que não havia sido diagnosticado antes do nascimento e que implicava em constante degradação de sua pele, tanto externa como internamente. Qualquer contato com a superfície de sua pele poderia facilmente provocar grandes e dolorosas lesões, requerendo cuidado persistente para curá-las. Esse problema é incurável, e apesar da literatura conter fotos de crianças que sobreviveram três ou quatro anos, seus corpos se transformaram em uma massa de feridas e suas vidas tiveram que ser tão restritas fisicamente que era impossível ter uma infância normal. O fato de Zoe ter sido entubada ao nascer significava que era bem provável que isso já tivesse causado danos à sua traquéia, a qual estaria predisposta à infecção. E todos os meios invasivos necessários ao tratamento intensivo neonatal (que são muitos) provavelmente causariam mais lesões internas ou externas à pele, dores associadas e riscos de infecção.
Depois de ampla discussão da equipe neonatal, e com os pais de Zoe, decidiu-se remover todas as formas de suporte artificial à vida, mas manter o equilíbrio hidreletrolítico e tentar a alimentação com mamadeira. Quando isso foi feito, Zoe foi capaz de respirar sem ventilação e foi removida para uma sala lateral, fora do centro de tratamento neonatal, onde seus pais poderiam facilmente permanecer com ela. Decidiu-se por não tratar nenhuma infecção, mas somente aplicar medicação para alívio da dor e do sofrimento. Zoe morreu seis dias depois, provavelmente em conseqüência de uma infecção iniciada pelos danos causados pela entubação, quando de seu nascimento.
A mesma lógica pode certamente aplicar-se a Zoe, como ocorreu na morte de Anna - por que o prolongamento por seis dias, quando uma dose letal poderia ter encerrado as coisas em questão de momentos? É claro que os desejos de Zoe não puderam ser conhecidos como os de Anna o foram, mas o potencial para a dor física era muito maior no caso de Zoe - cada toque era um risco (na verdade, os enfermeiros e os pais tiveram a certeza, por sua reação após deixar a área de alta tecnologia, de que ela não sentia dores ou sofrimento, e aprenderam como segurá-la com cuidado e carinho, sem causar mais danos à sua pele). A lei não permitiu à equipe médica matar Zoe, mas permitiu que se decidisse suspender os tratamentos, alguns que poderiam certamente salvar sua vida, se tais medidas fossem julgadas como prejudiciais ao interesse do paciente. Mas a distinção feita pela lei é coerente e moralmente justificável? Ou é, como os advogados da eutanásia argumentam, um sofisma que permite que médicos matem pacientes sob o pretexto de tratamento?
Este é o problema que precisa ser resolvido antes de debatermos o pedido para morrer por parte de uma pessoa competente. É evidente que os defensores da eutanásia voluntária (como Peter Singer e Helga Kuhse, por exemplo) não estão simplesmente argumentando a respeito de honrar os desejos do paciente capaz. Em Should the baby live? (O bebê deveria viver?) eles procuram demolir qualquer argumento que estabeleceria limites entre o não-tratamento e o homicídio de neonatos (1) - e o mesmo deve certamente aplicar-se aos adultos incapazes. O único fator relevante, de acordo com a perspectiva conse-qüencialista desses autores, é o resultado da ação ou omissão médica. Dessa maneira, se a morte de Zoe pode ser prevista como provável quando o tratamento é suspenso, então o não-tratamento deve ser considerado o equivalente moral ao homicídio, se todos os outros fatores forem desconsiderados na equação moral. Somente os argumentos conseqüencialistas devem ser permitidos em oposição ao homicídio ativo. Por exemplo, os argumentos sobre a criação de um sentimento de insegurança em uma sociedade na qual os incapazes podem ser mortos se se pensar que suas vidas não têm mais valor.
Mas não podemos aceitar a suposição conseqüencialista de que somente os resultados por si só têm significado moral. Esta é uma moralidade minimalista, do tipo que ignora tanto as intenções dos agentes relevantes como o contexto social das escolhas que estão sendo feitas no curso do tratamento médico de uma pessoa. Considerando a assistência prestada a Zoe, existe um universo de diferenças entre a batalha para proporcionar o tratamento adequado e a decisão de evitar intervenções médicas impertinentes, por um lado, e a decisão de interromper rapidamente a sua vida com uma dose letal, por outro. No contexto social da assistência prestada a Zoe, os valores devem sempre favorecer a valorização da vida na mais frágil das circunstâncias - esta é a filosofia essencial da medicina neonatal. Esta valorização deve ser sempre moderada pela preocupação de assegurar uma morte tranqüila, quando os esforços para possibilitar uma sobrevivência suportável se mostrarem inúteis. É este sutil equilíbrio que é mantido pelo sistema legal que proíbe matar, mas permite a suspensão ou retirada do tratamento. Abandonar essa distinção em nome de uma racionalidade que mede somente as conseqüências das ações significa privar a assistência médica do contexto moral. No mundo incerto da assistência clínica, as intenções e orientações de valores que proporcionam a assistência são de fundamental importância, uma vez que criam a barreira contra a tendência moderna de buscar soluções rápidas para as ambigüidades morais de nossa vulnerabilidade humana. A decisão de renunciar à sobrevivência de uma pessoa que não pode falar por si mesma é sempre difícil e incerta. Nenhuma lei deveria facilitar isso.
Introdução
Este artigo foi escrito sob a perspectiva da ética clínica. Nele, procuro relatar minha experiência em prestar consultorias sobre ética a hospitais na Nova Zelândia e Grã-Bretanha, no debate teórico sobre eutanásia. Deste modo, iniciarei com a história de uma pessoa e, em seguida, apresentarei a de outra. Meu objetivo é testar as afirmações sobre os prós e os contras da eutanásia em vista das exigências de decisões clínicas em casos particulares. Não afirmo que esta seja a única e muito menos a maneira normativa de resolver os problemas, mas acho que grande parte da discussão carece da realidade da experiência clínica e, portanto, tende a simplificar e até mesmo caricaturar as situações reais que as pessoas enfrentam nos dilemas médicos a respeito da vida e da morte.
Há seis anos e meio, encontrei-me pela última vez com uma senhora chamada Anna. Ela pediu-me para contar sua história sempre que pudesse, e o tenho feito com freqüência desde então. Era uma mulher na faixa dos trinta anos e ficara tetraplégica alguns anos antes, em decorrência de um acidente de trânsito. Também sofria de dor fantasma difusa, o que requeria a constante administração de altas doses de analgésico para que pudesse suportá-la. Anna era casada e tinha três filhos pequenos. Antes, era uma pessoa muito ativa - adorava caminhadas e era uma cantora amadora de considerável talento. Gostava também de teatro amador. Profissionalmente, era professora. Após o acidente, achava que não tinha mais razão para viver, que não era mais a pessoa que costumava ser, e queria morrer. Apesar de ter deixado claro que não queria ressuscitamento, ela havia sofrido uma parada respiratória quando estava longe de seus enfermeiros usuais, foi ressuscitada e tornou-se dependente de respiradores artificiais. Após alguns meses de discussão e de busca de opiniões legais e éticas, decidiu-se que seu pedido para desligar os respiradores poderia ser aceito. Assim, foi instalado um dispositivo que permitiria a ela desligar os aparelhos. Três dias após a nossa conversa, em uma data predeterminada e com toda a sua família presente, ela os desligou. Foram administrados medicamentos para evitar qualquer tipo de fadiga respiratória e ela mergulhou na inconsciência. No entanto, pouco tempo depois, acordou e perguntou irritada: "Por que ainda estou aqui?". Mais medicação foi administrada e ela tornou a entrar em estado de inconsciência. Poucas horas depois sua respiração parou completamente e ela morreu.
São situações como a de Anna que levam a pedidos de alteração das leis para a legalização da eutanásia. Ela quis morrer; seus enfermeiros e sua família sabiam que era isso o que ela buscava com o desligamento dos aparelhos de suporte à vida. Por que, então, ela não poderia ter sido morta mais rápida e efetivamente por meio de uma injeção letal, e sem a longa demora e o debate que permitiram que os aparelhos fossem desligados? Além disso, já que ela não morreu devido à interrupção do tratamento, mas somente depois da administração de mais medicamentos, não houve uma certa desonestidade em alegar que tudo isso estava de acordo com os tratamentos legalmente permitidos? Isto não foi, na realidade, um `suicídio medicamente assistido' sob a aparência de medidas legalmente permitidas de recusa de tratamento e alívio da dor e da agonia?
Neste artigo, argumentarei a partir da perspectiva da ética cristã, visto que é nela que meu próprio entendimento moral se baseia, mas a intenção do meu artigo é prover os fundamentos para a formulação de políticas públicas dentro de sociedades religiosas ou secularmente pluralistas. Acredito que a `lei natural' pode ser interpretada e esclarecida pelo entendimento cristão de nossas obrigações para com nossos semelhantes humanos. Deixem-me descrever desde o princípio a conclusão a que cheguei: apesar da minha compaixão para com Anna, apesar dos problemas que a lei atualmente em vigor causa a pessoas como ela e a pessoas que se preocupam com elas, e apesar das ambigüidades morais em interpretar aquela lei de forma compassiva com os portadores de sofrimento irremediável, a Justiça requer que não mudemos a lei. Para fundamentar essa conclusão, tentarei esclarecer os diferentes tipos de decisões que são tomadas na prática médica atual e, é claro, terei que explicar o que quis dizer com a frase "a Justiça requer".
Decisão pelos incompetentesInicio a minha exploração do tema considerando uma situação bem diferente da de Anna. Antes de morrer, Anna era uma pessoa que se expressava com muita desenvoltura, clara em seus próprios pontos de vista e insistente em fazer com que os mesmos fossem ouvidos e respeitados. Uma forte lembrança que tenho (gravada em vídeo) é a de sua entrevista comigo, diante de uma turma de aproximadamente 200 estudantes de Medicina. A força de sua convicção de que já não valia mais a pena viver, e que não se tratava meramente de um estado depressivo temporário, tinha tão poderosa autoridade que tornou vazios muitos dos comentários feitos a ela por estudantes bem intencionados a respeito de manter a fé e considerar sua família. Mas devemos observar que grande parte da prática médica não oferece a possibilidade desse tipo de diálogo com uma paciente competente em busca de sua própria morte de maneira fundamentada. Muitas, talvez a maioria, das decisões médicas a respeito da vida e da morte precisam ser feitas em favor de pessoas que não podem expressar qualquer desejo, seja porque ainda não tenham desenvolvido a capacidade de formular desejos e intenções, ou porque esta capacidade tenha sido destruída por doença ou acidente. É importante observar este aspecto da tomada de decisão - às vezes chamada de eutanásia não-voluntária - antes de discutir os pedidos de medidas para pôr fim à vida, por parte de pessoas competentes. A lei estabelece limites para essas decisões em nome de outrem, os quais permaneceriam - pelo menos na teoria - ainda que a eutanásia voluntária fosse legalizada. Qual é a justificativa para esses limites? Permitam referir-me novamente a um caso do qual participei diretamente, para explorar esta questão.
Zoe nasceu prematura de três semanas, teve quer ser ressuscitada no nascimento e foi levada para a unidade de terapia intensiva e posta em ventilação artificial e alimentação gástrica. Logo, soube-se que tinha um distúrbio hereditário raro e muito grave, que não havia sido diagnosticado antes do nascimento e que implicava em constante degradação de sua pele, tanto externa como internamente. Qualquer contato com a superfície de sua pele poderia facilmente provocar grandes e dolorosas lesões, requerendo cuidado persistente para curá-las. Esse problema é incurável, e apesar da literatura conter fotos de crianças que sobreviveram três ou quatro anos, seus corpos se transformaram em uma massa de feridas e suas vidas tiveram que ser tão restritas fisicamente que era impossível ter uma infância normal. O fato de Zoe ter sido entubada ao nascer significava que era bem provável que isso já tivesse causado danos à sua traquéia, a qual estaria predisposta à infecção. E todos os meios invasivos necessários ao tratamento intensivo neonatal (que são muitos) provavelmente causariam mais lesões internas ou externas à pele, dores associadas e riscos de infecção.
Depois de ampla discussão da equipe neonatal, e com os pais de Zoe, decidiu-se remover todas as formas de suporte artificial à vida, mas manter o equilíbrio hidreletrolítico e tentar a alimentação com mamadeira. Quando isso foi feito, Zoe foi capaz de respirar sem ventilação e foi removida para uma sala lateral, fora do centro de tratamento neonatal, onde seus pais poderiam facilmente permanecer com ela. Decidiu-se por não tratar nenhuma infecção, mas somente aplicar medicação para alívio da dor e do sofrimento. Zoe morreu seis dias depois, provavelmente em conseqüência de uma infecção iniciada pelos danos causados pela entubação, quando de seu nascimento.
A mesma lógica pode certamente aplicar-se a Zoe, como ocorreu na morte de Anna - por que o prolongamento por seis dias, quando uma dose letal poderia ter encerrado as coisas em questão de momentos? É claro que os desejos de Zoe não puderam ser conhecidos como os de Anna o foram, mas o potencial para a dor física era muito maior no caso de Zoe - cada toque era um risco (na verdade, os enfermeiros e os pais tiveram a certeza, por sua reação após deixar a área de alta tecnologia, de que ela não sentia dores ou sofrimento, e aprenderam como segurá-la com cuidado e carinho, sem causar mais danos à sua pele). A lei não permitiu à equipe médica matar Zoe, mas permitiu que se decidisse suspender os tratamentos, alguns que poderiam certamente salvar sua vida, se tais medidas fossem julgadas como prejudiciais ao interesse do paciente. Mas a distinção feita pela lei é coerente e moralmente justificável? Ou é, como os advogados da eutanásia argumentam, um sofisma que permite que médicos matem pacientes sob o pretexto de tratamento?
Este é o problema que precisa ser resolvido antes de debatermos o pedido para morrer por parte de uma pessoa competente. É evidente que os defensores da eutanásia voluntária (como Peter Singer e Helga Kuhse, por exemplo) não estão simplesmente argumentando a respeito de honrar os desejos do paciente capaz. Em Should the baby live? (O bebê deveria viver?) eles procuram demolir qualquer argumento que estabeleceria limites entre o não-tratamento e o homicídio de neonatos (1) - e o mesmo deve certamente aplicar-se aos adultos incapazes. O único fator relevante, de acordo com a perspectiva conse-qüencialista desses autores, é o resultado da ação ou omissão médica. Dessa maneira, se a morte de Zoe pode ser prevista como provável quando o tratamento é suspenso, então o não-tratamento deve ser considerado o equivalente moral ao homicídio, se todos os outros fatores forem desconsiderados na equação moral. Somente os argumentos conseqüencialistas devem ser permitidos em oposição ao homicídio ativo. Por exemplo, os argumentos sobre a criação de um sentimento de insegurança em uma sociedade na qual os incapazes podem ser mortos se se pensar que suas vidas não têm mais valor.
Mas não podemos aceitar a suposição conseqüencialista de que somente os resultados por si só têm significado moral. Esta é uma moralidade minimalista, do tipo que ignora tanto as intenções dos agentes relevantes como o contexto social das escolhas que estão sendo feitas no curso do tratamento médico de uma pessoa. Considerando a assistência prestada a Zoe, existe um universo de diferenças entre a batalha para proporcionar o tratamento adequado e a decisão de evitar intervenções médicas impertinentes, por um lado, e a decisão de interromper rapidamente a sua vida com uma dose letal, por outro. No contexto social da assistência prestada a Zoe, os valores devem sempre favorecer a valorização da vida na mais frágil das circunstâncias - esta é a filosofia essencial da medicina neonatal. Esta valorização deve ser sempre moderada pela preocupação de assegurar uma morte tranqüila, quando os esforços para possibilitar uma sobrevivência suportável se mostrarem inúteis. É este sutil equilíbrio que é mantido pelo sistema legal que proíbe matar, mas permite a suspensão ou retirada do tratamento. Abandonar essa distinção em nome de uma racionalidade que mede somente as conseqüências das ações significa privar a assistência médica do contexto moral. No mundo incerto da assistência clínica, as intenções e orientações de valores que proporcionam a assistência são de fundamental importância, uma vez que criam a barreira contra a tendência moderna de buscar soluções rápidas para as ambigüidades morais de nossa vulnerabilidade humana. A decisão de renunciar à sobrevivência de uma pessoa que não pode falar por si mesma é sempre difícil e incerta. Nenhuma lei deveria facilitar isso.
Definindo a eutanásia voluntáriaTendo estabelecido o contexto de manter a distinção entre homicídio e suspensão ou retirada de tratamento dos incompetentes, retornarei agora à história de Anna. Os acontecimentos que levaram à sua morte são uma boa ilustração da relevância contínua desta distinção para o debate sobre a legalização da eutanásia voluntária. Quando as leis ou os projetos de lei sobre a eutanásia voluntária são elaborados, há uma tendência para se enfatizar o estado da pessoa que faz o pedido e evitar referência ao fato de que a lei proposta autorizará um ato de homicídio por outra pessoa. Dessa maneira, por exemplo, uma lei recentemente aprovada no território norte da Austrália (mas depois derrubada pelo Parlamento federal) usou a frase "ajudar-me a pôr fim à minha vida". Isto parece referir-se somente à descriminação do aconselhamento ou incitação ao suicídio, mas de fato ocorreu a legalização da administração de uma substância letal pelo médico. É desonesto ocultar a descriminação do homicídio na legislação sobre eutanásia pelo uso de frases que obscurecem o fato do homicídio. Sugiro, portanto, que descrevamos a legislação sobre eutanásia voluntária nos seguintes termos:O objetivo da legislação é descriminar a morte de uma pessoa por outra, sob circunstâncias específicas que incluem a competência e o estado mental da pessoa que pede para morrer, a avaliação independente das circunstâncias médicas que levaram ao pedido, e o registro da identidade e a qualificação profissional da pessoa que levou a efeito a morte.Com base nesta definição, podemos ver que a morte de Anna envolveu uma série de questões morais separáveis. A primeira foi a sua solicitação para que não fosse reanimada e seu último pedido para que a ventilação fosse suspensa. Isto parece claramente ser uma recusa, por uma pessoa competente, de tratamento que aparentemente salvaria sua vida, e tal recusa é sancionada por lei em muitos países (na Nova Zelândia, onde esses acontecimentos ocorreram, tal recusa de tratamento é resguardada por uma Declaração de Direitos). A base moral para tal direito legal é que a liberdade de uma pessoa para decidir o que deve ser feito a ela por outrem não pode ser limitada por argumentos de que os outros sabem o que é o melhor para ela (é este mesmo argumento que permite a uma pessoa capaz decidir cometer suicídio sem penalidade criminal, embora tentativas possam ser feitas para impedir o suicídio, a fim de assegurar que a decisão seja bem refletida.) Mas o último pedido de Anna implicou em mais que uma simples recusa de tratamento. Como estava tetraplégica, ela virtualmente não tinha liberdade de ação, mas queria participar ativamente da descontinuação da ventilação. Ao criar um dispositivo que ela pudesse acionar, a equipe médica talvez tenha participado de um suicídio medicamente assistido. Certamente, Anna viu isto desta forma, embora a desconexão não tenha de fato resultado em sua morte. Poder-se-ia argumentar, no entanto, que os médicos estavam simplesmente ajudando-a a implementar sua recusa ao tratamento, uma situação bem diferente de conectá-la a um máquina da morte do tipo Kevorkiano. Mas a última complicação surgiu quando Anna acordou fora dos aparelhos e descobriu ainda estar viva. A administração de medicamentos nesse estágio parece claramente ter sido uma resposta a seu pedido para morrer, apesar da certeza de que sua respiração, embora ainda ativa, já estava muito comprometida. Nesse estágio, no meu ponto de vista, o médico matou a paciente a seu pedido, evidentemente um ato de eutanásia voluntária, conforme a defini, e, portanto, um ato criminoso, já que não havia nenhuma lei que o autorizasse. Nenhuma ação foi movida contra o médico nesse caso, nem era provável que seria, dadas as circunstâncias de fadiga emocional e respiratória em que os sedativos foram administrados. Mas por que o médico teria que correr tão grande risco de sofrer uma ação legal? Por que a eutanásia voluntária não deveria ser legalmente permitida, dentro de uma estrutura legal de proteção, para permitir que pessoas como Anna tenham suas vontades atendidas sem comprometer seus médicos?
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quinta-feira, 20 de maio de 2010
Aspectos Legais: Pacientes Terminais – Morte Encefálica
Daisy GoglianoDoutora em Direito, Professora da Faculdade de Direito da Universidade de São Paulo, São Paulo-SP.
O progresso da tecnologia médico-biológica está a impor profundas transformações ético-jurídicas. Em face das novas técnicas de sustentação vital e de reanimação, como a utilização de meios mecânicos de respiração artificial, o fenômeno morte hoje não se resume simplesmente na cessação espontânea das funções cardiorrespiratórias. Na atualidade, fala-se na ocorrência da "morte encefálica" que deve ser constatada por critérios estritamente médicos, não cabendo à lei defini-los pois isto limitaria a adoção de novos parâmetros ditados pela própria evolução da ciência. A interrupção da sustentação vital, uma vez estabelecida a morte encefálica, não se confunde com a eutanásia ou eventual "direito de morrer", no sentido de precipitar o evento "morte", o qual, efetivamente, já ocorreu. Por respeito à dignidade humana o médico deve evitar que o paciente em morte encefálica seja submetido a terapêutica desnecessária, não só inútil como fútil.UNITERMOS - Paciente terminal, morte encefálica, legislação.
Noções Introdutórias
Vida e morte, dois extremos, dois opostos, dois fenômenos em cuja seqüência se desenvolve todo o destino do homem, do ser humano considerado como pessoa pelo Direito.
Excluindo as áreas semânticas que envolvem os vocábulos - vida e morte - que correspondem a níveis conceituais diversos na Biologia e na Medicina, para o Direito, tanto o evento vida como o evento morte são considerados fatos jurídicos, pois, não obstante considerados fatos de ordem natural, onde a vontade humana não assume qualquer papel relevante, são fatos dos quais o direito se origina, como se diz na velha parêmia: ex facto ius oritur. Se o direito origina-se do fato, o evento natural - vida e morte - entra para o mundo do Direito no momento em que a norma agendi, isto é, a norma de agir, objetivamente considerada, como direito objetivo, incide e atua sobre o fato, o acontecimento mesmo de ordem natural, para torná-lo jurídico, gerando dai, para o seu titular um direito subjetivo, um direito que lhe é próprio, uma faculdade de agir, conferida pelo sistema jurídico, na configuração da relação jurídica.
Como diz R. Limongi França, "a norma agendi, isto é, o direito objetivo, de natureza estática e eidética, para se dinamizar e concretizar, gerando assim a correspondente facultas agendi, supõe a incidência daquilo que ordinariamente se chama fato jurídico."
E acrescenta: "Em outras palavras, é o fato jurídico que, em princípio, estribado no direito objetivo (cujas formas de expressão são variadas, mas das quais a principal é a lei), dá azo a que se crie a relação jurídica, capaz de submeter certo objeto ao poder de determinado sujeito. A esse poder se chama direito subjetivo" (1).
Na lição de Savigny (citado em (1)), consideram-se fatos jurídicos "os acontecimentos em virtude dos quais as relações de direito nascem, bem como se modificam e se extinguem."
Vida e morte, como acontecimentos naturais, são considerados na doutrina alemã como tatbestand, pressupostos materiais a que o ordenamento jurídico condiciona as fases de existência (nascimento, modificação e extinção) de uma relação jurídica, segundo o magistério de Caio Mário da Silva Pereira (2), porque no momento em que a norma, "antes estática e eidética", utilizando a expressão de R. Limongi França, atua sobre o fato, estabelecendo-se assim, a relação jurídica, o fato, como pressuposto material, passa a ser jurídico, (entrou para o mundo jurídico), exsurgindo da relação jurídica efeitos jurídicos, assumindo o Direito o seu caráter dinânico. É nesse sentido que se diz que a relação jurídica também, tal qual o homem, tem o seu ciclo existencial, nasce, desenvolve-se, modifica-se e extingue-se.
Pontes de Miranda assinala com clareza: "Só existem direitos subjetivos porque há sujeitos de direito, e só há sujeitos de direito porque existem relações jurídicas"(3). Em sua estrutura a relação jurídica estabelece-se entre sujeitos ou partes, vale dizer, intersubjetiva, cada qual na sua posição, como sujeito ativo, em que a norma de agir confere um poder, em face de um sujeito passivo, na posição de dever, cujo objeto pode ser um bem jurídico, natureza ideal ou material, submetido ao poder do detentor do direito subjetivo.
Da noção de relação jurídica, como vínculo entre duas ou mais pessoas, que produz efeitos na ordem jurídica, exsurge a noção de pessoa e direito subjetivo, em que a pessoa é considerada sujeito de direito. Quando o Código Civil brasileiro, em seu art. 2° afirma que "todo homem é capaz de direitos e obrigações na ordem civil", está a atribuir a todo o ser humano, sem qualquer distinção, personalidade jurídica, conferindo-lhe, por isso, a aptidão genérica de contrair direitos e obrigações na ordem jurídica, considerando-o, portanto, pessoa. Todo o indivíduo, todo ser humano, não importando a sua condição, raça, sexo e idade é dotado de personalidade, por ser sujeito de direitos, em que se atribui a faculdade de agir no mundo do direito. Como diz R. Limongi França, "personalidade é a qualidade do ente considerado pessoa"(4). Para o Código Civil "a personalidade civil do homem começa do nascimento com vida", pondo a lei a salvo, desde a concepção os direitos do nascituro (art. 4.°). Basta, portanto, nascer com vida, para que o homem adquira personalidade jurídica. Não se exige a viabilidade, como fazem alguns sistemas, basta apenas nascer com vida, basta um só instante de vida, com a entrada de ar nos pulmões. Como observa Caio Mário da Silva Pereira: "Ocorre o nascimento quando o feto é separado do ventre materno, seja naturalmente, seja com auxilio de recursos obstétricos. Não há cogitar do tempo de gestação, ou indagar se o nascimento ocorreu a termo ou foi antecipado. É necessário e suficiente, para preencher a condição do nascimento, que se desfaça a unidade biológica, de forma a constituírem mãe e filho dois corpos com economia orgânica própria."
E acrescenta: "A vida do novo ser configura-se no momento em que se opera a primeira troca oxicarbônica no meio ambiente. Viveu a criança que tiver inalado ar atmosférico, ainda que pereça em seguida. Desde que tenha respirado, viveu: a entrada de ar nos pulmões denota a vida, mesmo que não tenha sido cortado o cordão umbilical, e a sua prova far-se-á por todos os meios, como sejam o choro, os movimentos, e essencialmente os processos técnicos de que se utiliza a medicina legal para a verificação de ar nos pulmões. A partir desse momento afirma-se a personalidade civil" (2).
Em nosso sistema jurídico não se exige a viabilidade, isto é, aptidão para a vida. Não importa se o ser humano nasça com, por exemplo, aberrações teratológicas ou malformação e que não tenha a forma humana, classificando-se entre os monstros (monstrum vel prodigium) e não possa comunicar-se com o mundo exterior. Basta nascer com vida, dentro das características acima apontadas, ou seja, com a separação do ventre materno e a respiração com a troca oxicarbônica no meio ambiente. É o começo da personalidade jurídica.
Tecidas essas considerações importa observar que o ser humano, a pessoa, dotada de personalidade, com aptidão genérica de adquirir direitos e contrair obrigações de ordem civil, portanto, na qualidade de sujeito de direitos, não deixa de ser pessoa como paciente terminal ou sob manutenção cardiorrespiratória assistida, quando mantida por circulação extracorpórea e respiradores artificiais, enquanto não declarada morta. A personalidade jurídica só termina com a morte. O Código Civil, em seu art. 10 apenas diz que "a existência da pessoa natural termina com a morte", ressalvando os casos de comoriência no momento em que dois ou mais indivíduos falecem na mesma ocasião, não se podendo averiguar se algum dos comorientes precedeu aos outros, os quais, presumir-se-ão simultaneamente mortos, para efeitos sucessórios, em que são chamados a suceder, em conjunto, os herdeiros dos respectivos comorientes, em que nenhum deles pode suceder ao outro. O diploma civil, portanto, se ocupa do momento da morte, jamais de sua conceituação e dos critérios médico-legais de sua constatação. E não poderia fazê-lo, pois cabe à Medicina, notadamente à Medicina Legal, estabelecer a sua conceituação.
Aspectos Legais: Pacientes Terminais – Morte Encefálica O corpo morto O cadáver é o corpo inanimado, sem vida. É a pessoa morta. Com a morte, como vimos, estingue-se a personalidade, "a qualidade do ente considerado pessoa", que deixa de ser sujeito de direitos. No entanto, não obstante a extinção da personalidade jurídica, o direito tutela o corpo humano inanimado. São estas as palavras de De Cupis: "Não é pelo fato da personalidade jurídica se extinguir com a morte que o cadáver deixa de ser considerado pelo ordenamento jurídico. Pelo contrário, o corpo humano, depois da morte, torna-se uma coisa submetida a disciplina jurídica, coisa, no entanto, que não podendo ser objeto de direitos privados patrimoniais, deve-se classificar entre as coisas extra commercium. Não sendo a pessoa, enquanto viva, objeto de direitos patrimoniais, não pode sê-lo também o cadáver, o qual, apesar da mudança de substância e função, conserva o cunho e o resíduo da pessoa viva. A comercirbilidade estaria, pois, em nítido contraste com tal essência do cadáver, e ofenderia a dignidade humana" (5). Por sua vez, toda pessoa viva, como sujeito de direitos, pode dispor em vida sobre o destino do seu cadáver, no exercício legítimo de um direito da personalidade, estabelecendo as condições de sepultamento, embalsamamento, de proteção e incolumidade, eis que esta não reside só na pessoa viva, por reverência e respeito, no reconhecimento da dignidade humana. Trata-se de ato de disposição de última vontade o qual deve se revestir dos requisitos da validade que informam os atos jurídicos, sob pena de nulidade, que resulta em ineficácia jurídica. Aludindo ao destino normal do cadáver, De Cupis assinala que por ser objeto de um direito privado não patrimonial, "emergente do costume e que compreende a faculdade de determinar o modo e a forma do seu destino normal", é objeto de direito. "Tal direito respeita aos parentes do defunto, em razão do sentimento de piedade que os liga ao próprio defunto. Trata-se de um direito familiar e, portanto, de direito-dever que como tal, tem natureza bem diversa do direito sobre as partes separadas do corpo. Este último direito pode ser sujeito a limitações relativas a certos usos impróprios das mesmas partes, sem que mude, por esse fato, a própria natureza do direito de propriedade" (5). Isto posto, cumpre reafirmar que o fato de a personalidade ser conferida a partir do nascimento com vida e extinguir-se com a morte, o mesmo não sucede com algumas categorias de direitos da personalidade, as quais se projetam após a morte, na esfera das relações de família, de parentesco e de afeição, esta última em face do reconhecimento da união estável, como se vê, por exemplo, na tutela da honra, do nome, da imagem, da memória do morto e tantos outros direitos da personalidade. Eles não se extinguem com o fim da própria personalidade, notadamente aqueles que dizem respeito à tutela do cadáver e que envolvem atos de disposição, daquele que foi pessoa, em respeito à sua última vontade, onde se lhes aplicam as regras de hermenêutica concernentes às disposições de última vontade, na interpretação dos testamentos, sob o ditame do princípio geral que ordena prevalecer sempre a perquirição da real intenção do de cujus, manifestada em vida, cujo respeito se impõe. Considerando que os direitos da personalidade são intransmissíveis, mesmo mortis causa, embora gozem de proteção depois da morte, na forma acima referida, na configuração de nova relação jurídica, na posição que assumem os novos titulares, trazemos à colação o art. 71 do Código Civil português, que assim dispõe: "1. Os direitos da personalidade gozam igualmente de proteção depois da morte do respectivo titular; 2. Têm legitimidade, neste caso, para requerer as providências previstas no parágrafo 2° do artigo anterior (tutela geral da personalidade), o cônjuge sobrevivo ou qualquer descendente, ascendente, irmãos, sobrinho ou herdeiro do falecido; 3. Se a ilicitude da ofensa resultar da falta de consentimento, só as pessoas que o deveriam prestar têm legitimidade, conjunta ou separadamente, para requerer as providências a que o número anterior se refere". Não é sem razão que o Projeto do Código Civil brasileiro (n° 634, de 1975), não obstante suas imprecisões na matéria, prescreve: "art. 11 - Com exceção dos casos previstos em lei, os direitos da personalidade são intransmissíveis e irrenunciáveis, não podendo o seu exercício sofrer limitação voluntária". Assim, em não havendo manifestação de vontade do de cujus sobre o destino de seu cadáver, isto é, do seu corpo para depois da morte, os parentes podem determinar o seu destino normal, fundado no sentimento de piedade que informa tal ato e notadamente por participar das relações de família. |
O consentimento Com base nos lineamentos básicos tratados acima é de se ponderar que o consentimento, a declaração de vontade (manifestação de vontade qualificada), destinada a produzir determinados efeitos jurídicos, impõe-se para todo e qualquer ato de disposição do próprio corpo, como todo e qualquer ato jurídico, que se revista de validade, para que possa produzir efeitos jurídicos. O consentimento válido exclui a ilicitude do ato, o qual deve, considerando a gradação que envolve os direitos da personalidade que se circunscrevem no direito à vida, como bem supremo, inalienável, impostergável e intransmissível, vale dizer como direito absoluto, o que impõe um dever geral de abstenção, de oponibilidade erga omnes, isto é, impondo a todos, sem qualquer distinção, um dever de respeito, na obrigação negativa de não lesar e não perturbar. A maioria dos diplomas que cuidam da integridade física, no âmbito dos direitos da personalidade, exige além do consentimento válido, que o ato não ofenda os bons costumes e a ordem pública. No plano da Deontologia Médica, o art.59 do Código de Ética Médica impõe ao médico o dever de informar ao paciente o diagnóstico, o prognóstico, os riscos e objetivos do tratamento, salvo quando a comunicação direta ao mesmo possa provocar-lhe dano, devendo, nesse caso, a comunicação ser feita ao seu responsável legal. Por sua vez, consoante o art. 124 é vedado ao médico "usar experimentalmente qualquer tipo de terapêutica ainda não liberado para uso no País, sem a devida autorização dos órgãos competentes e sem o consentimento do paciente ou de seu responsável, devidamente informado da situação e das possíveis conseqüências". Nestas condições, o consentimento viciado pode caracterizar-se diante de qualquer ato que possa levar ao induzimento, à coação, fraude ou artimanha. Daí a necessidade de certos e determinados requisitos para que a declaração de vontade possa produzir efeitos jurídicos. No que tange ao ato médico, para que a declaração de vontade seja válida, é necessário que o paciente reúna condições prévias em sua capacidade de querer e de entender e que tenha compreendido e querido o ato realizado no caso concreto. O que se impõe é que todo ato médico tenha por fim único e exclusivo preservar a integridade e a saúde, em suma, preservar o direito à vida, que se insere na finalidade da própria Medicina. Para a obtenção de um consentimento válido, na intersubjetividade que cerca o direito, cujas relações jurídicas nascem da alteridade que lhe é imanente, na exteriorização e na reciprocidade, impõe-se por parte do médico a informação, com todos os esclarecimentos que se fazem necessários, na obtenção do consentimento esclarecido. Ao lado do direito à verdade está o direito à informação, mediante o qual se obtém um consentimento esclarecido. O paciente deve ser informado de todos os riscos que a terapêutica e o tratamento médico encerram, para que conscientemente possa declarar a sua vontade, sem qualquer induzimento por parte do médico, no intuito de obter a colaboração do paciente. Para tanto, a informação deve ser dada levando em conta as condições sócio-culturais do paciente, em linguagem que possa compreender a terapêutica a ser adotada. Genival Veloso de França, insigne estudioso e um dos precursores a tratar da matéria, cuida do assunto aos discorrer sobre os transplantes, que, mutatis mutandis, se aplica ao estudo em questão ao assinalar: "O médico não pode dispor incondicionalmente da vida de seu paciente a ponto de obrigá-lo a aceitar uma conduta terapêutica, a não ser diante de iminente perigo de vida". Observa, entretanto, que "nos transplantes, deve o médico informar ao doente todos os riscos operatórios, as possibilidades de êxito e a duração possível de sua sobrevivência. É certo que em tais situações necessita-se de um determinado cuidado, o que não impede, todavia, uma conscienciosa informação, através de uma boa preparação psicológica que ajude a se obter uma maior colaboração do enfermo. É melhor sermos sinceros e às vezes até rigorosos com uma verdade, do que obter-se um consentimento por fraude" (6). O consentimento esclarecido liga-se, portanto, à informação também esclarecida, em que se justapõem, na sua efetiva interdependência e reciprocidade, na relação jurídica que se instaura entre médico e paciente, pois, como diz Veloso de França "a linguagem própria aos técnicos deve ser adaptada ao leigo, senão ele tende a interpretações temerárias e duvidosas" (6). Vittorio Chiodi, estudando o tema -II consenso del paziente nella teoria medico-legale - traça numa reflexão, os limites do direito à verdade, como direito da personalidade, que encontra outro limite no respeito ao paciente, em grau humanístico, desde que a revelação detalhada da gravidade de sua enfermidade não coloque em risco a sua vida, piorando as suas condições clínicas, advertindo que a informação deve ser proporcional ao grau de cultura e inteligência do paciente (7). No mesmo passo, Massimo Paradiso, em trabalho dedicado a Il devere del medico di informare il paziente. Consenso contrattuale e diritti della persona traça os limites da comunicação, concluindo que o dever primário do médico, qualquer que seja a fonte da relação, é una esauriente informazione del paziente circa le sue reali condizioni di salute e le concrete prospettive di cura. Ció non significa, ovviamente, che l´informazione debba estendersi a tutti i rischi conessi in genere alle terapie mediche, e in particolare alle operazione chirurgiche, devendo ritenersi esauriente quella informativa che si limiti a rende-re edotto il paziente dei rischi specificamente connessi, rispettivamente, al trattamento proposto e alla sua omissione. Para o autor o único limite ao direito à verdade resulta da exigência do respeito à pessoa humana, que é a base desse direito, considerando as suas condições, instabilidade, imaturidade, condições psíquicas, a capacidade de entender e de querer no sentido de não produzir danos, daí a especialidade de que se reveste a capacidade nos atos de disposição que envolvem o ato médico. É de se concluir que o direito à verdade e o direito à informação são os requisitos indispensáveis na obtenção do consentimento esclarecido, como causa excludente de ilicitude do ato médico, sob o fundamento de que toda a diminuição e comprometimento da integridade corporal deve ter respaldo no consentimento esclarecido, para que se tenha como válido. Por se tratar de direito da personalidade, que envolve o direito à vida, importa observar, sub censura, que o consentimento esclarecido, qualificado, deve ser livre, pessoal e não viciado. Os preceitos pertinentes às regras gerais, quanto aos graus de capacidade, na sua extensão, quando dizem respeito aos absolutamente incapazes, objeto de representação, encontram sempre o seu limite no direito à vida, sem olvidar a autorização judicial ou suprimento judicial quando necessário, por exemplo, em matéria de transplantes, na salvaguarda do direito à saúde (forma do corpo) e da integridade, na preservação do direito à vida, jamais no seu comprometimento, mesmo em benefício altruístico de terceiro. Tecidas essas premissas, em matéria de direitos da personalidade, pela sua própria natureza jurídica, as regras gerais concernentes aos institutos de proteção à personalidade, ou seja, à tutela e à curatela, pelos seus próprios limites, dadas as suas várias espécies, que têm por escopo, respectivamente, a proteção e o zelo de um menor que se encontra fora do pátrio poder e de um maior incapaz, não podem ser aplicadas, simplesmente, pela especialidade da matéria, na extrapolação das balizas legais dos respectivos institutos, que possam envolver atos de disposição do próprio corpo e que dizem respeito ao direito à vida. Dai a necessidade de autorização judicial específica sem olvidar o caráter supletivo e complementar das normas éticas da Medicina, dada a graduação da incapacidade à luz de cada caso concreto. Cumpre ressaltar que o recente Decreto n° 879, de 22 de julho de 1993, que regulamenta a lei sobre transplantes (Lei n° 8489, de 18/11/92), dispõe em seu parágrafo 2°, do art. 12, quando trata dos incapazes, não obstante a sua péssima redação e imprecisões jurídicas, que a doação ali especificada "somente poderá ser realizada após autorização judicial", nas condições ali estabelecidas. Por outro lado, mutatis mutandis, o mesmo não se aplica nos casos de interrupção dos meios mecânicos de ventilação, na concretização da morte encefálica, em face de pacientes terminais, quando se tratar de manutenção totalmente fútil, não condizente com a própria finalidade da medicina, o que está a merecer estudo mais aprofundado, em face dos presentes lineamentos, na tutela da dignidade humana. É de se sustentar, assim, que não obstante as regras gerais que envolvem a capacidade de exercício e gozo dos direitos, a aptidão de querer e de entender, que se liga ao direito à informação, pode não existir em pessoas maiores de 21 anos, não obstante a capacidade jurídica plena prevista pelo ordenamento civil, de modo que, aquele que não compreende não está apto a consentir, cujas situações, devem assim, ser examinadas à luz do caso concreto, na avaliação da maturidade mental, na obtenção do consentimento válido e acima de tudo esclarecido, livre e espontâneo e com discernimento para que não se configure a antijuridicidade do ato a ser realizado, tendo como limite intransponível o direito à vida. Assinala-se, entretanto, que o médico está obrigado a agir em estado de necessidade, pois, como diz Geníval Veloso de França "o médico não pode dispor incondicionalmente da vida do seu paciente a ponto de obrigá-lo a aceitar uma conduta terapêutica, a não ser diante de iminente perigo de vida" (6). A matéria é vasta e ampla e não pode ser exaurida no presente trabalho, valendo ressaltar, como regra primordial que nos atos de disposição as regras gerais que se relacionam com a capacidade para os atos da vida civil não podem deixar de prescindir da conjunção dos preceitos éticos e particulares que dizem respeito ao ato médico, em face da específicidade dos direitos que estão a envolver, ou seja, os direitos da personalidade na tutela do direito à vida e conseqüentemente do direito à saúde, como forma de proteção do corpo humano, vale dizer, como princípio primário e determinante. Os pacientes terminais e a morte encefálica A personalidade termina com a morte. Extinguindo-se a personalidade não há que se falar de pessoa e sujeito de direitos. Em respeito à dignidade humana, o cadáver, o corpo humano inanimado é protegido pelo direito e não pode ser objeto de relações de direito privado patrimoniais, por ser res extra commercium, por conservar a memória da pessoa viva e envolver relações de família. A morte interessa para o direito para efeitos sucessórios, importando, portanto, o momento da morte na determinação de efeitos jurídicos. É de se ponderar que a concepção inicial de morte cerebral exsurgiu pari passu com o advento dos transplantes de órgãos e tecidos humanos. Os avanços tecnológicos da medicina propiciaram prolongar indefinidamente uma vida, por intermédio da circulação extracorpórea e respiradores artificiais, possibilitando, ainda, a ressuscitação cardíaca, o que veio revolucionar o tradicional conceito de morte clínica, a tradicional parada cardíaca e respiratória, modificando-se, assim, o conceito de morte. Com a realização dos transplantes de órgãos impôs-se novos critérios na determinação da morte, justamente visando facilitar os transplantes ante as exigências de órgãos íntegros, viáveis, hígidos e perfundidos, ao lado de novas técnicas de controle da rejeição. Tais questões levam não só os médicos como os juristas ao reexame da questão - vida e da morte - , eis que a realização dos transplantes, ab initio passou a depender de uma rápida extração do órgão do doador antes que sobreviesse a morte celular, ou seja, a destruição celular, denominada morte biológica. De outro lado, as novas técnicas de reanimação vieram permitir que se prolongassem artificialmente as grandes funções vitais do organismo, como a circulação e a respiração. Considerando que a morte é um processo lento e gradual, distingue-se a morte clínica (paralisação da função cardíaca e da respiratória) da morte biológica (destruição celular) e da morte inicialmente conhecida como cerebral e hoje caracterizada como encefálica, a qual resulta na paralisação das funções cerebrais. A morte clínica pode, em face dos avanços tecnológicos da medicina, desaparecer com os processos de reanimação, permitindo, assim, manter a vida vegetativa, mesmo após a superveniência da morte cerebral. A morte, antes identificada como a cessação da atividade espontânea da função cardíaca e respiratória, com a paralisação circulatória irreversível, passou a ser determinada com a paralisação das funções cerebrais. O fato é que a fixação de critérios na determinação da morte denominada "cerebral" foi-se estabelecendo à luz das normas que se criaram para a realização dos transplantes, o que ensejou os mais variados debates sobre o assunto, na busca de uniformização de conceitos. Em 1968, o Conselho das Organizações Internacionais de Ciências Médicas (CIOMS), vinculado à Organização Mundial da Saúde (OMS) e à UNESCO, reuniu-se em Genebra, e estabeleceu critérios sobre morte cerebral aprovados por unanimidade, em declaração conjunta por todos os países que ali compareceram, fundada sobre "o que se deve entender por morte do doador", em casos de transplantes: "1) perda de todo sentido ambiente; 2) debilidade total dos músculos; 3) paralisação espontânea da respiração; 4) colapso da pressão sanguínea no momento em que deixa de ser mantida artificialmente; 5) traçado absolutamente linear de eletroencefalograma". Na caracterização da morte "cerebral" inúmeros simpósios e congressos se realizaram no sentido de elaborar documentos nesse sentido, como a "Declaração de Sidney", e a do "Comitê de Harvard" utilizada por muitas clínicas cirúrgicas. Outros, por sua vez, preferem a declaração contida na The Human Tissue Act, de 1961, da Inglaterra, que trata especialmente da morte cerebral, cujas considerações preliminares merecem ser transcritas, pelo significado que encerram: "Em 1974 o médico chefe do Departamento de Saúde e Segurança Social pediu aos Colégios Reais que considerassem a definição de morte cerebral (brain death) e seu diagnóstico. A questão surgiu no contexto do estabelecimento da morte de possíveis doadores de órgãos, mas teve um maior interesse para todas as situações clínicas em que as funções vitais eram unicamente mantidas por meios mecânicos. Em resposta àquela solicitação foi escrito um documento que foi recentemente aprovado unanimemente pela Conferência dos Colégios Reais e Faculdades do Reino Unido. Este documento, que aparece a seguir, descreve em termos gerais a diagnosis de morte e estabelece critérios detalhados de diagnósticos para determinar quando ocorre a morte nos casos em que as funções vitais tenham sido mantidas mecanicamente". Prossegue, com os consideranda, na explicação do desenvolvimento da medicina, com as novas técnicas de reanimação: "Com o desenvolvimento das técnicas e cuidados intensivos e sua ampla aplicação no Reino Unido, chegou a ser uma situação comum nos hospitais ter pacientes em estado de coma profundo e inconscientes, com graves lesões cerebrais, que são mantidos com respiração artificial por intermédio de ventiladores mecânicos. Este estado tem sido reconhecido desde há muitos anos e tem sido preocupação da classe médica estabelecer critérios de diagnóstico de tal rigor, que uma vez cumpridos possa ser desconectado o ventilador mecânico com a segurança de que não havia nenhuma possibilidade de recuperação". O fato é que têm sido muitos os argumentos filosóficos sobre a diagnosis de morte, que não se circunscreve mais com a cessação das funções vitais da respiração e da circulação. Entretanto, com a capacidade técnica de se manter artificialmente estas funções, tem-se constituído tema de grande interesse público o dilema de quando desconectar o ventilador. Aceita-se que a morte ocorre com a cessação permanente da atividade do tronco cerebral, ensejando, assim, o conceito de morte encefálica, mais abrangente do que "morte cerebral", não obstante a expressão "morte cerebral", em seu significado comum e vulgar diga respeito à cessação de todas as funções cerebrais. A questão diz respeito à caracterização da morte encefálica, termo este mais abrangente do que "morte cerebral" e tecnicamente mais perfeito, não obstante as legislações adotem a terminologia "morte cerebral", dentre a variedade de critérios estabelecidos. Ressalta-se que o Hospital das Clínicas da Faculdade de Medicina da Universidade de São Paulo, por intermédio da sua Clínica Neurológica, em 1983 estabeleceu critérios de morte encefálica (8). Considerando que a morte clínica (paralisação da função cardíaca e respiratória) pode reverter com os processos mecânicos de reanimação, ocasião em que se pode instaurar a vida vegetativa, a qual pode ser mantida, mesmo após a superveniência da morte encefálica, o dilema do médico com a morte está justamente na decisão de suspender os esforços de reanimação, pois uma vez ocorrida a morte encefálica revela-se estéril prosseguir mantendo-se artificialmente as funções cardiorrespiratórias, em terapêutica fútil, desgastante, onerosa tanto aos pacientes como para as instituições hospitalares, no sentido de evitar aos familiares um trauma sobrevindo de inúteis esperanças. Vale ressaltar as ponderações do Professor Motta Maia, Catedrático de Cirurgia da Universidade Federal do Rio de Janeiro, que em 1968 publicava original artigo sobre "Novos aspectos da cirurgia moderna", demonstrando, naquela época, os avanços da medicina, o progresso científico, revolucionando conceitos básicos, com o estabelecimento de novas doutrinas. Examinando a questão sob quatro aspectos: médico-biológico; moral-religioso; médico-legal e técnico-científico, tece importantes esclarecimentos. Sob o aspecto médico-biológico estuda o conceito de vida e morte, a questão central nos transplantes de partes de cadáveres, dando-nos a concepção de vida: "O professor Wassermann, Chefe do Departamento de Medicina Interna do "Karl Bremer Hospital", da Universidade de Stellenbosch, da África do Sul, concebe vida como a atividade biológica, sociológica e psicológica, manifestada por um dinamismo mantido por processos intrínsecos ao organismo - elementos naturais - e sustentada por outros fatores extrínsecos adquiridos pelo próprio homem - a cultura. Obviamente, a morte seria a conseqüência da desintegração total destes elementos (9). De contrapartida, analisa a morte, como um fenômeno natural que se ordena e se processa de maneira gradativa até chegar ao estado de ausência de atividade vital. Diz Motta Maia que "no espírito popular e no domínio jurídico está enraizada a idéia de que a morte se traduz pela ausência das funções da respiração e da circulação - morte vegetativa" (9). Acrescenta: "Este estado, é hoje em dia considerado pelos biologistas como uma pura ficção, pois este estado poderá ser recuperado por métodos artificiais, se a função cerebral estiver em condições de reversibilidade. A cessação definitiva da atividade cerebral, brain death, seria para os modernos biologistas e neurologistas, o momento da morte, por se estatuir a perda da personalidade, determinando, portanto, a impossibilidade de relação com o mundo exterior. E a proscrição definitiva do indivíduo perante a coletividade" (9). Esclarece ainda Motta Maia: "Entretanto, registre-se que a ausência das funções cerebrais não impede que sejam mantidas artificialmente as funções de respiração e de circulação, o que os fisiologistas denominam de vida técnica. O conhecimento deste fato é de grande importância para a transplantação de órgãos de cadáver, pois a manutenção artificial das funções cardiopulmonares, durante um certo período, garantindo o estado nutritivo de tecidos e órgãos, favorece as condições da transplantação. Por outro lado, os biologistas demonstram que mesmo após a cessação das funções permanece o estado de atividade vital, durante um certo período, nas células, tecidos e órgãos - vida residual. Este estado gradativamente chega à desintegração, o que seria o estado de morte total. A duração deste último período é variável de indivíduo para indivíduo, depende da hierarquia textural e da natureza estrutural dos tecidos e dos órgãos. Este período - time factor - é de primordial importância para o êxito da transplantação. Como muito bem se expressa Pierre Müller, de Lille, o limite da vida reside nas células e nos tecidos, verdadeiros órgãos em miniatura, possuidores de certa autonomia vital quando separados do todo, perdendo gradativamente esta atividade, até chegarem à desintegração" (9). Tecidas estas considerações, expressa Motta Maia a conceituação de morte, citando Jorge Voigt, de Copenhagen, para quem "a morte só ocorre quando toda a vitalidade espontânea (aos órgãos e tecidos) cesse permanentemente" (9). O fato é que a nova conceituação de morte - brain death - adotada por muitas legislações exsurgiu com maior vigor no momento em que se buscou facilitar a transplantação de órgãos e tecidos, na caracterização do time factor que viesse possibilitar a nova técnica cirúrgica, inserindo-se, assim, em quase todos os países dentro do ordenamento jurídico que tem por objeto o transplante de órgãos. A determinação da morte, ou melhor, do momento da morte, tem sido debatida até hoje, com a proposição de vários critérios, sem uniformidade, em face das experiências que se vêm realizando nesse campo. Cumpre ressaltar as observações feitas por Luiz Alcides Manreza, da Clínica Neurológica da Faculdade de Medicina da Universidade de São Paulo: "A principal discórdia, do ponto de vista científico, é conceitual e não técnica. Aqueles que defendem o uso do eletroencefalograma (EEG) procuram o diagnóstico da morte de todo o encéfalo, ou seja, a morte de todas as células nervosas. Aqueles que condenam o uso do EEG para tal finalidade procuram o diagnóstico de morte encefálica (ME) do encéfalo como um todo, como uma unidade funcional, concentrando-se na avaliação da atividade do tronco cerebral. E, realmente, para isso, o EEG com eletrodos de couro cabeludo não tem valor" (10). Lembra o autor que "desde o conceito original de ME de Harvard, no qual se exigia a ausência de atividade de todo o sistema nervoso central (SNC), complementado por EEG isoelétrico, até os conceitos mais atuais de grandes centros, observamos que o elemento crucial para o diagnóstico de ME é a cessação permanente da atividade do tronco cerebral" (10). Explica ainda que "uma série importante de trabalhos tem demonstrado que uma pequena atividade cortical residual pode persistir em partes do córtex algum tempo após a inatividade do tronco cerebral. E não há um único registro de atividade do tronco cerebral, em tais casos. A recíproca, contudo, não é verdadeira, pois há registro de diversos pacientes com mínimos sinais de atividade de tronco cerebral e com EEG isoelétrico que se mantiveram indefinidamente" (10). Aludindo aos problemas estruturais dos serviços médicos, acrescenta o autor: "Esta situação nos angustia terrivelmente se considerarmos que, em nosso serviço, ocorre morte biológica em cerca de 80% dos pacientes que preenchem as condições clínicas, enquanto se aguarda a realização do segundo EEG, uma vez que no primeiro se evidenciou pequena atividade elétrica cortical. Existe ainda uma série interminável de problemas de ordem técnica, desde os artefatos produzidos pela parafemália que normalmente encontramos em uma Unidade de Terapia Intensiva e que acompanham um paciente em coma, da movimentação de pessoal até as limitações de tempo e horário, se considerarmos que a grande demanda de politraumatizados é à noite e nos fins de semana"(10). Conclui o autor sobre a inexistência, em nosso país, de uma lei clara sobre o assunto, mencionando vários diplomas legislativos. Avelino Medina, em importante trabalho, apresenta considerações sobre o tema, esclarecendo que: "A expressão coma irreversível (coma depassé) é usada por alguns autores para pacientes que entram imediatamente em coma após traumatismo craniano ou episódio de anóxia, mas que retém fragmento de função neurológica tais como reações pupilares ou reflexos corneanos. Além da inconveniência da expressão, tão imprecisa chamada coma irreversível, há o sentido contraproducente da palavra irreversível". Sustenta ainda que "... alguns pacientes evoluíram para recuperação, com ou sem incapacidade residual, mormente se tratando de crianças. É expressão que deve ser evitada" (11). Tendo em vista as imprecisões conceituais entre morte clínica e morte cerebral, bem como morte biológica, utilizadas indiscriminadamente, além da morte encefálica, de caráter particularizado, empregadas aleatoriamente, citamos a descrição de Avelino Medina do processo biológico de morrer que ocorre na seguinte ordem: "Primeiro, o córtex cessa de funcionar; depois, o tronco encefálico; depois, os movimentos respiratórios espontâneos; depois a atividade cardíaca; finalmente, as outras funções vegetativas. Quanto mais desenvolvido o córtex cerebral na escala zoológica, mais depressa o córtex morre; durante a ressuscitação, quanto mais desenvolvido o córtex cerebral, maior a probabilidade de o animal ter restabelecido plenamente as funções vitais. Provavelmente, o córtex cerebral exerce função vicariante (compensadora) de outras áreas encefálicas e seu dano significa perda de grandes capacidades adaptativas e de defesa. Pode-se inferir a gravidade clínica de pacientes com lesão encefálica, implicando distúrbio de consciência, mormente no sentido de embotamento e supressão da consciência" (11). Ainda de acordo com Avelino Medina: "Morte cerebral é o dano irreversível, global de todo o encéfalo incluindo o tronco encefálico, mantendo-se as atividades pulmonar e cardiovascular por processos artificiais. O processo biológico de morrer tem imensa complexidade de ordem neurofisiológica, fisiológica, terapêutica e legal. A morte não é um momento, mas parte de um processo que, em certas circunstâncias, pode ser interrompido, por não ser necessariamente terminal. A posição filosófica ante os eventos da morte varia conforme a cultura e a ideologia de determinada sociedade. O grande problema é o diagnóstico seguro de morte cerebral, visto que nenhum processo tecnológico isolado mostrou-se integralmente satisfatório" (11). Tecidas estas considerações é de se assinalar que não compete ao Direito conceituar e muito menos estabelecer por intermédio de lei critérios para a constatação da morte, pois, cabe à Medicina, como ciência, fazê-lo. Todo e qualquer diploma legislativo que se proponha a determinar qualquer parâmetro definitivo estará colaborando para impedir a adoção de novos procedimentos médicos que acompanham o próprio avanço da Medicina, pois na evolução do tempo teremos certamente novo conceito de morte. Ademais disso, o Direito como ciência, como a arte do bom e do eqüitativo, não se resume na lei, considerando as mais variadas formas de expressão de que se reveste, como pode ser visto em R. Limongi França (4). Tendo presente a própria individualidade humana, em que os critérios na constatação da morte cerebral ou encefálica se diferenciam caso a caso, dentro das condições clínicas de cada paciente, levando em consideração todo um conjunto de causas e efeitos, na complexidade de que se reveste, não cabe ao Direito estabelecer padrões que venham a se chocar com a própria finalidade da Medicina, tantas vezes esquecida e olvidada, em que a ética assume, na verdade, caráter complementar e supletivo, na atuação concreta a que se propõe. Basta constatar que do conceito inicial e tradicional de "morte cerebral", previsto nas várias legislações sobre transplantes e que passou a diversos Códigos de Deontologia Médica, passou-se à utilização de uma terminologia mais precisa e adequada, com a denominação atual de morte encefálica e que com o evoluir do tempo poderá sofrer modificações, considerando os estudos sobre a atividade do tronco cerebral e do córtex. Por sua vez, as imprecisões legislativas quanto à determinação da morte, as quais se encontram justamente no seio das legislações sobre transplantes de órgãos e tecidos humanos, derivam do fato de que o estudo isolado da conceituação da morte cerebral, esta considerada em sua terminologia ampla, restou descurado, o que fez com que muitos países proibissem toda e qualquer verificação da morte cerebral por médicos participantes da equipe de transplantes, legando tal atividade aos neurologistas e intensivistas, ou melhor, aos médicos alheios à equipe cirúrgica e especializados na matéria, buscando-se, assim, toda a isenção necessária na realização do ato médico. Não é sem razão que comungamos da opinião de Avelino Medina quando discorre sobre o aspecto legal sob o qual "o médico há de se resguardar cuidadosamente. O ponto de vista de morte cerebral é científico e não de lei, na maior parte do mundo, inclusive no Brasil. Grande problema na prática é determinar se e quando interromper as medidas de sustentação vital. Deixar que a família decida sobre tais medidas contribui para aliviar a "consciência" do médico. Opina Negovsky que "somente o médico - que compreende integralmente a possibilidade de salvar o paciente - tem o dever de decidir da interrupção da sustentação vital quando não houver mais esperança de o paciente tornar-se novamente um ser humano". Em certos países, existem processos legais imputando a responsabilidade ao médico por morte decorrente de imprudência. Nos Códigos Penal e Civil brasileiros, encontramos respaldo para implicações semelhantes" (11). Concluímos que estabelecida a morte cerebral, com base em diagnóstico preciso, em seu significado amplo, abrangente, com a manutenção da sustentação vital, meramente vegetativa, por intermédio de meios mecânicos, a suspensão ou interrupção da reanimação torna-se lícita e também necessária, evitando-se com isso tratamentos inúteis, onerosos, tanto para a família e os responsáveis pelo paciente como pela instituição hospitalar. Não há que se falar em eutanásia, em possível "direito de morrer", em face da impossibilidade de o paciente voltar a ter vida sem o auxílio das máquinas. Não há também que se falar em pessoa, na ausência de reatividade vegetativa e respiração espontânea, dentro da complexidade de critérios na configuração da morte encefálica. O que se pretende demonstrar é que toda e qualquer interrupção de sustentação cardiorrespiratória em face da morte encefálica não pode ser confundida com a eutanásia, no sentido de privar de vida um ser humano por motivos filantrópicos, propiciando-lhe a "boa morte", com o intuito de evitar sofrimento intenso e acima de tudo desnecessário. Segundo o ilustre professor Marco Segre, da Faculdade de Medicina da Universidade de São Paulo: "Não se trata de autorizar, ou de proibir a prática da eutanásia, mas apenas de definir se o paciente está vivo ou morto" (12). Maior clareza é impossível, pois o dilema construído em torno da questão - interrupção dos meios mecânicos - nada tem a haver com a "eutanásia" ou eventual direito de morrer,direito este, diga-se desde logo, da personalidade, que diz respeito ao direito ao próprio corpo e nada obsta, com fundamento no consentimento esclarecido que o paciente decida sobre si mesmo e sobre a sua própria vida. Nada impede que um paciente recuse receber, em sã consciência, com plena aptidão de entender e de querer, tratamento médico, como também dispor, em declaração de última vontade, o que abrange os relativamente incapazes que podem testar, no sentido de interromper toda e qualquer sustentação vital inútil e desnecessária, quando constatada a sua morte cerebral. O médico está obrigado a agir, isto sim, em estado de necessidade, diante de iminente perigo de vida. O novo Código de Deontologia Médica da Itália, aprovado em 1989, cuida em capítulo especial da assistência ao paciente terminal, sob a epígrafe - Assistenza ai morrenti - , onde proscreve qualquer forma de eutanásia, tanto passiva como ativa, voluntária ou involuntária, como também alude ao coma, cuja sustentação vital deve ser mantida até o momento da constatação da morte "nos modos e tempos estabelecidos pela lei", permitindo a manutenção vital na morte clínica, "segundo a lei", a fim de ser mantida uma atividade orgânica destinada aos transplantes e pelo tempo estritamente necessário (13). A Morte Encefálica em matéria de transplantes de órgãos O recente Decreto n° 879, de 22 de julho de 1993, que regulamenta a Lei n° 8489, de 18 de novembro de 1992, que "dispõe sobre a retirada e o transplante de tecidos, órgãos e parte do corpo humano, com fins terapêuticos, científicos e humanitários", não obstante a sua inescondível inconstitucionalidade, por extravasar a própria lei que pretende regulamentar, cuida, em visível imprecisão técnica, em nítida contradição, da morte encefálica, considerando-a no seu inciso V, do art. 3°, "a morte definida como tal, pelo Conselho Federal de Medicina e atestada por médico". Desconsiderando, portanto, ab initio, os próprios avanços da Medicina, principalmente das instituições voltadas exclusivamente para a pesquisa científica, notadamente aquelas que se dedicam às várias áreas especializadas da Medicina, tal preceito vem coarctar o acolhimento do progresso médico nessa matéria. Por outro lado, ao pretender outorgar ao Conselho Federal de Medicina a prerrogativa de definir a morte encefálica, está a confundir definição da morte encefálica com o estabelecimento de critérios na sua constatação, eis que, ad argumentandum, toda pesquisa médica nessa área, cientificamente comprovada, não poderá ser acolhida enquanto se "chocar" com a referida "definição" a ser dada pelo CFM, na padronização preestabelecida que está a impor. O próprio fato da adoção da nova terminologia - morte encefálica - ter substituído a antiga - morte cerebral - vem demonstrar, por si só, que, certamente, com a evolução, teremos conceituações cada vez mais precisas. Ademais disso, a locução inserida no texto legal - "atestada por médico" - ampla e abrangente, afronta ao nosso ver, os critérios mais avançados que determinam a especialização desse ato médico, de extrema responsabilidade, que deve ser realizado por mais de um médico, tal como preceitua The Human Tissue Act, de 1961, da Inglaterra, e a The Human Tissue Act of Northern Ireland, de 1962, que resultou da Conference of Royal Colleges e das Faculdades do Reino Unido, portanto, detentores da opinio doctorum. Naquela época, recomendava-se no Reino Unido, em nítido avanço em relação aos demais países, a realização do diagnóstico por mais de um médico, especializado, com mais de cinco anos de experiência e alheios à equipe de transplantes. Além disso, observamos logo a seguir, que em visível contradição, o parágrafo único do aludido inciso V, do art. 3°, preceitua que "a definição de morte encefálica, a que se refere o inciso V deste artigo, não exclui os outros conceitos de condições de morte", em péssima redação. Isto posto, em matéria de transplantes, dentro dos objetivos da regulamentação estabelecida, por intermédio de "decreto", que extrapola a própria lei a que se propõe "regulamentar", extravasando seu âmbito, o atual diploma revela-se um retrocesso em relação às demais legislações modernas. Completando as contradições, constata-se ainda, que o seu art. 8.°, ato contínuo, determina que "a retirada de tecidos, órgãos ou partes do corpo humano será precedida de diagnóstico e comprovação da morte (sem especificar), atestada por médico (não importa o status) nos termos da Lei de Registros Públicos", a qual, diga-se desde logo, cuida do "óbito" e do seu "assento", "em vista do atestado médico, se houver no lugar, ou, em caso contrário, de duas pessoas qualificadas que tiverem presenciado ou verificado a morte (art.77, Lei n° 6.015/73), confundindo transplantes in vivo, com mortis causa. Assim, embora desvincule o diagnóstico e a comprovação da morte (sem especificar) do transplante de tecidos, órgãos ou partes do corpo humano, em que o médico que atestar não poderá ser o mesmo a realizar o transplante, embora transplante se realize por intermédio de equipe, chega ao ponto de impor, uma vez comprovada a morte encefálica, nos termos do seu inciso V, do art. 3.°, ou seja, aquela "definida como tal pelo CFM e atestada por médico", a sua notificação compulsória, "em caráter de urgência", não obstante disponha no seu parágrafo 1.°, do art. 8.°, que "o diagnóstico e a comprovação da morte não deverão guardar qualquer relação com a possibilidade de utilização de tecidos, órgãos ou partes do corpo humano para transplantes". Assinala-se, entretanto, que a morte encefálica (genericamente denominada cerebral) não se liga necessariamente aos transplantes, objeto do referido diploma legal, à falta de uma regulamentação mais precisa, em face dos preceitos éticos que envolve, o que faz com que a matéria, por si só, permaneça lacunosa, notadamente quando diz respeito à dignidade da pessoa humana. Qualquer regulamentação que venha afrontar o direito ao corpo, que se subsume no direito à vida e à saúde, os quais se sobrepõem como garantia constitucional, como direitos da personalidade, estará eivada de invalidade, dada a própria natureza jurídica desses direitos. |
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